Título: MEDO DAS URNAS, DESAFIO À DEMOCRACIA ANGOLANA
Autor: Fellipe Awi
Fonte: O Globo, 03/10/2005, O Mundo, p. 20

População do interior associa eleição, prevista para 2006, à matança que se seguiu depois do pleito de 1992

LUANDA. Os traumas de uma geração de angolanos formada na guerra ainda estão tão vivos que geram desconfiança até na perspectiva de todo um país, finalmente, escolher seu futuro. Organizações não-governamentais que trabalham em Angola estão detectando certa resistência de parte da população às eleições legislativas e presidenciais previstas para 2006. Nas províncias, especialmente entre os menos instruídos, a associação entre voto e massacre é natural, uma vez que o segundo foi conseqüência do primeiro no único pleito da história do país, em 1992.

Naquele ano, a União Nacional para Independência Total de Angola (Unita) não aceitou a vitória, por pequena margem de votos, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Antes do segundo turno, a guerra recomeçou ainda mais intensa, com massacres quase diários em províncias como Huambo e Bié.

¿ Este período ainda está muito vivo na mente do angolano. No contato com eles, percebemos que falar em eleição ainda causa medo ¿ afirma o chefe-adjunto do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em Luanda, Fabrizio Carboni.

País ainda não começou a fazer o registro eleitoral

Hoje, a Unita é apenas um dos vários partidos de oposição angolanos e o MPLA não deixou o poder. Mas o temor continua. Diante de pressões, a comissão de parlamentares que está preparando a eleição pôs na pauta a criação de um programa de educação cívica para instruir a população e evitar uma abstenção em massa. Este, porém, é apenas um dos problemas desta comissão, que ainda não deu início sequer ao processo de registro eleitoral. Dificuldades são esperadas, principalmente no interior, onde algumas cidades estão praticamente isoladas pela ausência de estradas. A falta de estimativas sobre o número de refugiados de guerra vivendo em países vizinhos também preocupa. Além disso, todo o processo técnico e logístico ainda é embrionário.

São tantos os problemas que a oposição se mostra desconfiada. O MPLA já adiou eleições previstas para 2004 ou 2005 alegando que o país não estava pronto para votar e ainda não houve convocação formal para o pleito de 2006.

¿ A situação está muito nebulosa. Os trabalhos da comissão são tímidos e o presidente não decidiu a data da eleição ¿ afirma o vice-presidente da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Ngola Kabango.

O MPLA, por sua vez, garante que há tempo suficiente para preparar as eleições.

¿ Pensar o contrário é um bocado de pessimismo. É preciso preparar o povo para votar. Anteriormente, os outros partidos também não estavam preparados moral e politicamente para eleições ¿ afirma Mendes de Carvalho, um dos deputados do MPLA cujo mandato já dura quase 30 anos.

Embora não haja anúncio oficial, é dada como certa a tentativa de reeleição de Eduardo dos Santos, no poder desde 1979. Os partidos de oposição, ainda desmobilizados, discutem seus candidatos. Em agosto, o presidente começou a ouvi-los sobre o processo eleitoral mas eles continuam reclamando que, apesar do pluripartidarismo instituído em 1992, o MPLA ainda não aprendeu a dividir o poder.

¿ Oito dos 11 integrantes da comissão eleitoral são do MPLA ¿ reclama Kabango.

As vozes dissonantes também são menos ouvidas nos meios de comunicação. A única TV e o único jornal diário de Angola são estatais. A rádio católica Ecclesia, que mantém uma linha editorial independente do governo, ainda está tentando obter autorização do Ministério da Comunicação Social para funcionar em ondas curtas e médias, o que aumentaria o seu alcance. A previsão é de que isso só aconteça depois das eleições.

Os anos de monopartidarismo e de controle da liberdade de expressão deixaram marcas em angolanos que ainda não se sentem à vontade para criticar o governo. São pessoas como o ex-combatente Adriano Maxani ¿ cego por causa da explosão de uma mina e eleitor de Eduardo dos Santos em 1992 ¿ que passou alguns minutos reclamando de sua condição de vida desumana mas se irritou quando foi perguntado sobre a responsabilidade do governo nisso tudo.

¿ Não tenho de fazer críticas porque elas já mataram muita gente neste país.