Título: A vitória e a crise
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 30/09/2005, O GLOBO, p. 2

Com a eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara, o governo reforçou suas defesas, ganhou fôlego e sobretudo evitou o pior. Se tivesse perdido, teria recebido um atestado de óbito político pela demonstração de seu completo fracasso parlamentar. Mas agora, imediatamente, pode até enfrentar uma radicalização da oposição, num esforço para realimentar a crise.

Nem foi a vitória em si um indicador de que a maioria foi reconstruída. Pelo contrário, a votação mostrou que o governo ainda está longe disso. Boa parte dos votos somados de Ciro Nogueira (PP) e Fleury (PTB) ficou com o candidato Nonô no segundo turno, embora a oposição agora diga que Aldo se elegeu com os votos dos partidos do mensalão. Com a vitória, o governo ganhou foi condições e instrumentos para debelar a crise, se não errar nisso.

Pode a oposição radicalizar turbinando as CPIs que andam em fase abúlica. Faltou quórum na dos Bingos ontem e andou faltando na dos Correios. Pode a oposição sabotar os esforços de Aldo Rebelo para retomar a rotina da Câmara, como se viu ontem pelo fracasso da reunião do Colégio de Líderes que ele convocou num sinal de que pretende trabalhar de forma colegiada. À previsão do líder do governo, Arlindo Chinaglia, de que oposição ¿agora deve baixar o tom¿, o primeiro-vice líder do PSDB, Eduardo Paes, respondeu:

¿ Agora é que vamos subir o tom, acelerando as investigações sobre os delitos do PT e cobrando a cassação dos deputados envolvidos com o mensalão.

Em alto e bom tom pefelistas e tucanos acusam o governo pelo que fez e pelo que não fez em favor de seu candidato. Certamente houve promessa de liberação de emenda, esta prática que é nossa velha conhecida e só vai acabar quando for adotado o orçamento impositivo. Mas não houve, asseguram Aldo e o ministro Jaques Wagner, negociação com os pequenos partidos para reduzir a cláusula de barreira (não haveria tempo para se votar isso até hoje, dia 30) nem oferta do MEC ao PL. Esta última então, por seu inteiro despudor e descaso com a educação, traria desgaste monumental a qualquer governo.

A retórica de que a vitória foi garantida pelos partidos do mensalão provocou vários atritos ontem. Um deles, entre Chinaglia e o líder tucano Alberto Goldman, a quem o petista provocou:

¿ Vocês deviam ter avisado, antes da votação em segundo turno, que não queriam votos do PL, do PTB e do PP!

Mas foi o PTB que mais se incomodou com o epíteto, tirando de seu rotineiro silêncio o ministro do Turismo, Mares Guia.

¿ Não falo pelos outros partidos mas pelo PTB digo que repudiamos esta discriminação odiosa e hipócrita. Primeiro porque a denúncia do mensalão partiu de nosso então presidente, Roberto Jefferson. Depois, não se deve confundir a parte e o todo, condenar um partido pelos erros de alguns. E por fim, porque o candidato Nonô também recebeu votos dos partidos da base governista. Estes a oposição não acha que foram de mensalistas? Eu estive com a bancada do PTB, apresentei argumentos políticos, não chorei, como foi dito e não fiz qualquer promessa indecorosa. A bancada votou e saiu unida.

Os números confirmam que a base rachou e votou nos dois candidatos. No primeiro turno, Nonô e Aldo empataram em 182 votos. A soma dos votos de Ciro Nogueira (76), Fleury (41) e Alceu Collares (18) foi de 135. Se tivessem ido todos para Aldo, ele teria alcançado a marca de 317 votos. Mas ganhou apenas 76 deles, atingindo 258 votos. Nonô passou de 182 para 243 votos, ganhando 61. O mais provável é que os 15 votos que deram a vitória a Aldo vieram, pelo menos em grande parte, dos 18 que o PDT deu a seu candidato Collares. Ele, Miro Teixeira e Vivaldo Barbosa trabalharam pelo voto em Aldo Rebelo.

Deslindar votação secreta é excitante mas arriscado. Certo é que, diante deste fato que pode ser o marcado redutor da crise, a oposição deve subir o tom.