Título: Abrir a porteira
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 01/10/2005, O Globo, p. 2

Ao longo desta crise uma das poucas convergências criadas foi sobre a necessidade de mudanças nas regras eleitorais buscando, acima de tudo, reduzir seus custos astronômicos que se somam a outros fatores para tornar o caixa dois um fatalismo. Entendeu-se ainda que esta deveria ser a prioridade, deixando-se a reforma política mais profunda e reestruturante para outro momento.

Na primeira reunião do colégio de líderes com o novo presidente da Câmara, onde tudo está parado, este quase consenso ruiu. O prazo regulamentar para se aprovar as mudanças eleitorais já estava mesmo esgotado (acabou oficialmente ontem) mas eles não se entenderam também sobre o que os políticos estão chamando de ¿abrir a porteira¿: a aprovação de emenda constitucional relaxando, apenas para este ano, a exigência do artigo 16, de que toda mudança seja votada com um ano de antecedência ao pleito.

Abrir a porteira é muito perigoso. O artigo 16 tem sido uma barreira eficiente contra a adoção de casuísmos, mudanças de regras com o jogo em curso, como tanto aconteceu na ditadura. Nelson Jobim, hoje presidente do STF, participou na Constituinte das negociações que levaram à redação do artigo 16. Ele acha que se o Congresso mexer nele uma vez, ainda que excepcionalmente, perderá o pudor para um dia acabar com ele. Seria um atraso.

Na reunião de quinta-feira a oposição ficou contra a emenda que abre a porteira, embora sejam de dois oposicionistas as propostas neste sentido. Uma emenda é do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e tramita no Senado. Outra do pefelista Ney Lopes corre na Câmara.

¿ Tasso estava preocupado com a aprovação do projeto do senador Bornhausen, que trata de custos e financiamento de campanhas. Mas nós percebemos que alguns partidos, que vão do PCdoB de Aldo aos partidos do mensalão, como PP, PL e PTB, querem aprovar mesmo é a redução da cláusula de barreira, de 5% para 2%. Isso não vamos deixar. Estaríamos aprovando uma reforma para acabar com a única inovação positiva que já está prevista para 2006 ¿ diz o líder tucano Alberto Goldman.

Os pequenos e médios tentam mesmo, há meses, reduzir a cláusula. Aldo declarou, depois de eleito, que acha a cláusula excessiva e limitadora da liberdade partidária. Partidos que não obtiverem 5% dos votos totais do pleito e 2% distribuídos em pelo menos 9 estados perderão regalias funcionais na Câmara e acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda na televisão, instrumentos importantes para a sobrevivência. Buscando reduzir o quadro partidário, a cláusula mira a governabilidade. Com menos e mais fortes partidos será mais fácil construir maiorias para governar, negociar em cima de projetos e conteúdos e não de favores.

Mas poderia o Congresso aprovar outras mudanças nas regras eleitorais para o ano que vem sem mexer na cláusula. Bastaria mencionar na emenda da porteira os pontos que seriam alterados fora do prazo ¿ deixando a cláusula de fora. Mas como os partidos interessados em reduzi-la não toparão, o projeto Bornhausen e outras mudanças só terão chance se houver uma convergência superior entre PFL e PSDB, na oposição, o PMDB governista e o PT. E nada indica que sejam capazes, nesta hora, de trabalharem juntos por algum objetivo.