Título: Secar uma fonte
Autor:
Fonte: O Globo, 01/10/2005, Opinião, p. 6

Acampanha de desarmamento já teve como resultado a diminuição de mais de 8% no número de homicídios por armas de fogo, de 2003 para 2004. É uma evolução particularmente significativa porque há mais de um quarto de século que o número só fazia crescer, tendo chegado há dois anos ao pico de quase 40 mil mortes.

Esse recuo inédito foi claramente o resultado do recolhimento de mais de 400 mil armas. Tanto que a maior redução do número de homicídios ocorreu onde mais as autoridades se empenharam na campanha e, em conseqüência, maior foi a adesão.

O processo se acentuará consideravelmente daqui para a frente se a população, como se espera e como indicam as pesquisas de opinião, aprovar o fim do comércio de armas no referendo do próximo dia 23. Na propaganda gratuita em rádio e televisão, que começa hoje, os defensores da proibição têm portanto argumentos convincentes a apresentar.

É claro que o efeito imediato sobre a criminalidade será mínimo, senão nulo. As quadrilhas não costumam se armar recorrendo ao comércio legal, assim como não entregaram seus revólveres e pistolas para atender à campanha do desarmamento espontâneo. Nem era o que se esperava, porque o Estatuto do Desarmamento jamais teve o objetivo de combater o crime organizado, e sim de desarmar a população para evitar mortes que resultam de discussões por motivo banal, desentendimentos entre vizinhos, incidentes no tráfego e assim por diante.

No entanto, ao longo do tempo a proibição da venda deverá ter efeito positivo também sobre o nível de criminalidade. Porque secará uma importante fonte de suprimento dos arsenais da bandidagem, que são as armas adquiridas legalmente ¿ muitas vezes por indivíduos que equivocadamente acreditam na tese da legítima defesa, como se fosse atribuição de cada cidadão, e não do Estado, por meio da polícia, a proteção contra assaltantes.