Título: `O PT está pagando pela arrogância que teve¿
Autor: Helena Chagas e Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 02/10/2005, O País, p. 12

Ex-presidente diz que Lula não `está batido¿ e defende a candidatura de Aécio Neves para a Presidência

Itamar Franco está de volta. Depois de desligar-se da embaixada em Roma na última semana, o ex-presidente chegou ao Brasil disposto a agitar o cenário político. Ao GLOBO, Itamar diz que sua lua-de-mel com o governo Lula acabou: lança o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), à presidência para enfrentar o PT e o ¿bloco monolítico¿ do tucanato paulista. O ex-presidente acha que Lula não está politicamente morto, mas que o cenário para o petista não é o mesmo. Critica a política econômica e diz que o PT paga hoje pela arrogância de ter posado, no passado, de dono da ética. Itamar diz ainda que o senador Renan Calheiros foi deselegante ao minar a candidatura de Michel Temer à presidência da Câmara

O senhor acredita que o PMDB terá candidatura própria a presidente em 2006?

ITAMAR FRANCO: O PMDB fala em candidatura própria. Em 98, tínhamos essa chance, inviabilizada na convenção. Como falar hoje em candidatura própria? É estranho. O partido tinha seu presidente, Michel Temer, como candidato na Câmara. E o que aconteceu? O presidente do Senado (Renan Calheiros), que não é um peemedebista histórico, passou a apoiar o candidato do governo (Aldo Rebelo). Foi uma atitude deselegante. Não há unidade no partido.

Apesar da crise, o senhor considera Lula forte para 2006?

ITAMAR: Sem dúvida. O presidente não foi diretamente envolvido. Não se conseguiu envolvê-lo nessa história triste. Se ele vai ganhar, não sei. As condições são bastante diferentes de quatro anos atrás. Lula tem o apoio de parcela da opinião pública. É muito difícil acreditar que Lula já está batido, como alguns acreditam.

Na crise, o senhor se chocou com o PT, partido que se notabilizou pela defesa da ética?

ITAMAR: A ética não pertence só ao PT, mas a todos os políticos. O PT partiu do princípio de ser o único certinho, o único incapaz de cometer qualquer erro político. Os petistas passaram a ver em outros partidos e governo erros que eles jamais poderiam imaginar que, cedo ou tarde, cometeriam. Não havia um dia sequer em que o deputado José Genoino deixasse de ir à tribuna falar mal do nosso governo. O PT custou a descobrir, e descobriram de maneira trágica, que na política pode-se errar, independentemente da agremiação. O PT está pagando pela arrogância que teve ao longo dos anos. É muito difícil dizer se ele vai pagar por isso no processo eleitoral. O povo brasileiro lê pouco jornal. A memória política é muito fraca.

O senhor diz que o candidato para 2006 não deve ser um paulista...

ITAMAR: Não é que eu esteja contra os paulistas. Nenhum candidato presidencial ganhará sem Minas. Nenhum. Os paulistas estão mais divididos que os mineiros. Hoje temos o Aécio Neves, que é um bom governador e tem tudo para lutar no partido dele para ser candidato a presidente.

O senhor está lançando o Aécio Neves à sucessão de Lula?

ITAMAR: Tenho incentivado Aécio a se lançar e disputar no seu partido. Nós mineiros estamos permitindo que se comece a formar em São Paulo um bloco monolítico, que já imagina que Lula esteja fraco, o que é um erro. O Geraldo Alckmin e o Fernando Henrique formam esse bloco. Quando chegar em maio, será difícil o Aécio romper esse bloco. Ele deve começar agora a colocar uma cunha.

Aécio está disposto a disputar esse espaço?

ITAMAR: Deveria. Mas como o Aécio tem uma reeleição garantida para governador, pode ser que prefira disputá-la. Acho muito errado quando um político pensa que é novo demais para disputar um cargo e prefere esperar cinco anos, que é um período longo. Com essa velocidade política, pode acontecer tudo nesse prazo.

O vice-presidente José Alencar diz que não foi para o PMDB porque o senhor não queria e teria criado dificuldades...O que houve?

ITAMAR: Isso não é verdade, jamais houve qualquer preocupação com isso. Tenho por ele o maior respeito, consideração e amizade. Nunca disse isso. Só pode ser uma intriga.

Como o senhor está avaliando o governo?

ITAMAR: É preciso uma visão de Brasil mais solidário e que as classes mais necessitadas fossem olhadas com mais carinho. Infelizmente a lógica mercantil prevalece.

O senhor acha que o Lula não conseguiu isso?

ITAMAR: Não. Hosanas para a política econômica porque ela interessa ao mercado, aos banqueiros. Uma política econômica que interessa àqueles que se beneficiam em todos os governos. É uma política mercantil. Esta é uma dúvida que tenho em relação ao futuro de Lula. Será que no processo eleitoral essa gestão da economia terá maior valor que a política?! Não sei.

O senhor teve um encontro recente com o ex-ministro José Dirceu, em Juiz de Fora. Como o senhor avalia o processo a que ele responde?

ITAMAR: O Zé Dirceu sempre foi meu ponto de contato no PT. Quero muito bem a ele, mesmo nesse momento difícil que ele passa. Quando voltei ao Brasil comecei a ler sobre o assunto, assistir às reuniões das CPIs e, sinceramente, vejo que o caso do Zé Dirceu caminha para um sentido político. Não encontrei, no que tenho lido, nada contra ele. Torço para que ele não seja cassado por questões políticas.

Qual foi o erro político do presidente Lula?

ITAMAR: A gente nunca acha que presidente erra. Não vou dizer onde ele errou. Seria avançar demais. Mas tenho impressão que, nas chamadas horas mortas, quando você fica sozinho, de madrugada e começa a pensar e refletir mais, o Lula vai ter que corrigir a bússola dele, enquanto há tempo.

Que bússola?

ITAMAR: A da política econômica.