Título: PROFISSIONAIS QUE PÕEM A MÃO NA MASSA. FALIDA
Autor: Enio Vieira
Fonte: O Globo, 02/10/2005, Economia, p. 34

BC tem 36 funcionários que trabalham há até dez anos em longas liquidações extrajudiciais de bancos e consórcios

BRASÍLIA. Liquidante do Banco Econômico, Natalício Pegorini passou dois anos com um hábeas-corpus no bolso, para o caso de um pedido de prisão. Sob seu comando estão 23 mil operações de crédito em cobrança judicial, que geram uma guerra de decisões e processos, com ameaças de prisão por parte de devedores e credores do banco. Nessa tarefa, poucos imaginam o batalhão de funcionários existentes numa empresa que está fechada desde agosto de 1995. A equipe reúne 80 pessoas e está dividida entre São Paulo e Salvador, além de outros 40 terceirizados para tratar principalmente de 62 mil contratos imobiliários.

¿ Administro um patrimônio de R$11 bilhões, maior do que o de muitos bancos em atividade. Mas temos um passivo de R$11,5 bilhões ¿ conta Pegorini, inspetor em atividade do Banco Central (BC), com duas passagens pelo comando da liquidação do Econômico (a primeira em 2001 e a atual desde 2003).

Pegorini é um dos 36 funcionários do BC (a maioria aposentados) que trabalham nas longas liquidações extrajudiciais sob os cuidados da instituição. Hoje são 84 liquidações em andamento, sendo 29 de consórcios e 17 de bancos. Em 2005, os casos maiores e mais traumáticos de liquidação completam dez anos e são referentes ao Proer, o programa de socorro ao sistema financeiro privado. Econômico, Nacional e Bamerindus ainda concentram as atenções do BC, que calcula um rombo de R$5,049 bilhões deixados por estas instituições.

Ao todo, as 84 massas falidas devem R$22,865 bilhões ao BC, com expectativa de a instituição não receber R$5,078 bilhões.

Venda de patrimônio é um dos trabalhos mais difíceis

No dia-a-dia, os liquidantes cuidam dos inúmeros conflitos, de cobranças a queixas de ex-controladores. No Bamerindus, o auditor aposentado Sérgio Prates trata de 15 mil processos desde que assumiu a massa falida, após denúncias de irregularidades em 1999. Houve venda de bens com desconto, causando prejuízos. As operações foram realizadas pelo liquidante Flávio Siqueira, um dos maiores especialistas em liquidações do BC, tendo feito em 20 anos o encerramento de 34 instituições. O Ministério Público ainda investiga o caso. Até hoje, o ex-controlador José Andrade Vieira não aceita a forma como o BC tratou o banco.

¿ O relacionamento com os ex-administradores e com os acionistas tem sido de elevado respeito e até de colaboração mútua ¿ disse Prates, o mais experiente dos liquidantes e que trabalha desde 1983 em regimes especiais do BC.

Um dos trabalhos mais complexos é a venda de patrimônio. Pegorini informou que tem hoje seis empresas do Econômico para vender: uma fábrica de sucos (Cajuba), outra de plástico (CSP), uma usina de açúcar e entrepostos frigoríficos. Foi ele quem levou a leilão, em 2001, a petroquímica Copene e as ações da Açominas. Segundo ele, o ex-controlador Ângelo Calmon de Sá participa das vendas, por conhecer bem os negócios e manter um relacionamento cordial. Com o BC, as coisas mudam: Calmon de Sá propôs há dois anos um acerto final de contas no qual lhe restariam R$4 bilhões. O BC recusou de imediato.

Nesta situação, os funcionários da ativa abrem mão de comissões a que têm direito por chefia. Os liquidantes têm um teto salarial de R$16 mil, mas um servidor em atividade só pode ter um complemento até atingir esse valor. Os aposentados podem, em tese, receber este valor além das aposentadorias.

Acervo do Banco Santos inclui até sarcófagos

Situação delicada foi a intervenção do Banco Santos em novembro de 2004. Com um rombo inicial estimado em R$700 milhões, a saída foi indicar o chefe do Departamento de Fiscalização do BC, Vânio Aguiar, que havia se interessado pela análise do caso desde o início.

Nos últimos meses, Aguiar enfrentou questões inusitadas. O ex-controlador Edemar Cid Ferreira tinha uma coleção de 900 obras de arte, estimada em R$30 milhões. A solução foi deixar o material, incluindo peças como sarcófagos, sob a guarda do banqueiro, num galpão climatizado e com segurança. Uma parte das obras era de peças arqueológicas, já entregues à USP. Agora falta definir de quem são as obras para levá-las a leilão. Elas pertencem à Cid Collection, uma empresa no exterior.