Título: `A guerra transformou os angolanos em nômades¿
Autor: Fellipe Awi
Fonte: O Globo, 02/10/2005, O Mundo, p. 39

Poucas cenas expressam melhor a desordem social causada pela guerra civil de Angola do que aquela multidão na Praça 1º de agosto, em Luanda. Ali, Eugenia Siqueira se mistura a milhares de angolanos que, como ela, têm algo mais a reivindicar do que casa, escola ou comida. Todos buscam parentes desaparecidos no conflito.

Estes representantes de famílias fragmentadas se reúnem na praça às sextas-feiras para a gravação do programa ¿Ponto de reencontro¿, da única emissora de TV de Angola, a estatal TPA. Eugenia faz o apelo diante da câmera.

¿ Meu nome é Eugenia Siqueira, vim do Huambo (segunda maior cidade do país). Levaram minha filha Fernanda, de 8 anos.

E a fila anda para outro parente de discurso e desespero parecidos. Como poucos mostram fotos, a identificação é difícil mas, a exemplo de Eugenia, alguns voltam mais de dez vezes ao programa.

¿ A guerra tornou o povo angolano nômade ¿ diz o pastor Joaquim Ginga, que procura a filha desde 1975.

Na época do conflito, estima-se que 40% da população tenha deixado suas casas em busca de paz. Soldados do MPLA e da Unita também raptavam crianças e adolescentes para aumentar sua tropa. Com uma lista de 18 mil reclamações de parentes desaparecidos, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem um programa para repatriar angolanos que fugiram para países fronteiriços como a Zâmbia. (F.A.)