Título: O referendo e a falta de hábito
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 06/10/2005, O Globo, p. 2

O referendo à lei do desarmamento no dia 23 será a terceira consulta popular realizada no Brasil, contra a tendência mundial de uso mais freqüente do recurso. As pesquisas estão indicando não apenas uma perda de apoio à idéia do desarmamento (o voto sim) como também uma certa reação do eleitorado ao fato de o Congresso estar lhe "empurrando" a responsabilidade pela decisão.

O deputado Raul Jungmann, secretário-geral da Frente Brasil sem Armas, receia que tal ressentimento ¿ somado ao desencanto geral com a política produzido pela crise e em particular pelo envolvimento do PT com ilícitos políticos ¿ resulte em baixa participação no referendo do dia 23. Colhem-se indicações deste desconforto com a consulta nas pesquisas mas também nos contatos diretos com a população, nos debates e através de e-mails. É compreensível, diz Jungmann, que uma sociedade que não tem a cultura da consulta direta sinta-se de repente incomodada com o fato de estar lhe sendo cobrada tão grande responsabilidade. Alguns chegam a perguntar por que os congressistas, eleitos para fazer as leis, não resolveram isso definitivamente.

Em toda a história republicana tivemos apenas o plebiscito de 1963 e o de 1993, ambos sobre o sistema de governo, embora tenham ocorrido em circunstâncias inteiramente diversas. O primeiro pôs fim à breve experiência parlamentarista devolvendo a João Goulart os poderes presidenciais. O de 1993 manteve a opção da Constituinte pelo presidencialismo.

¿ Este desconforto é compreensível, decorre da falta de hábito, mas aumenta nosso desafio. Em tão poucos dias, temos de convencer duplamente o eleitorado. Primeiro de que, embora o sistema seja representativo, algumas decisões são tão polêmicas que exigem a palavra direta do povo. Segundo, de que manter a proibição do comércio de armas será um grande passo contra a violência, reduzindo pelo menos os homicídios facilitados pela presença tola de uma arma.

Segundo Jungmann, as pesquisas a que teve acesso mostram que o voto sim é forte entre as mulheres. São elas que mais perdem com a banalização das armas. Perdem maridos, perdem filhos muito jovens. Mas a resistência à proibição estaria crescendo entre os homens e sobretudo entre os jovens na faixa de 16 a 24 anos, exatamente a que tem registrado o maior número de mortes por armas de fogo. Nessa idade é grande o fascínio pela arma como símbolo de poder e status.

O tempo é curto e a campanha pelo voto não, diz Jungmann, vem usando argumentos falaciosos, explorando a insegurança das pessoas diante da violência. Para se dedicar inteiramente à frente parlamentar pelo sim, ele até se afastou das CPIs em que atuava.

Também preocupada com a ofensiva do adversário, a organização Viva Rio está lançando um livrinho didático de Antonio Rangel Bandeira e Josephina Bourgois. ¿Armas de fogo, proteção ou risco¿ traz 100 perguntas e respostas sobre questões em debate na campanha do referendo.