Título: RADICALIZAÇÕES
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 06/10/2005, O País, p. 4

Os comentários dos últimos dias do presidente Lula, com críticas às CPIs, só fizeram radicalizar mais ainda o clima político, que já vinha radicalizado da disputa pela presidência da Câmara. A CPI dos Bingos, mais conhecida como a ¿do fim do mundo¿ porque lá tudo pode acontecer, promoveu ontem uma acareação que serviu para que a oposição retomasse com virulência as acusações ao governo, levando novamente a crise para dentro do Palácio do Planalto.

O ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil Waldomiro Diniz, pivô do primeiro grande escândalo do governo Lula ao ser flagrado pedindo propina ao bicheiro Carlos Cachoeira, era um dos acareados, e Rogério Buratti, ex-secretário de Antonio Palocci na Prefeitura de Ribeirão Preto, era outro.

Acusações múltiplas de chantagem e achaques surgiram a todo momento, numa triste demonstração de como a corrupção esteve enraizada nas negociações das estatais, no caso a Caixa Econômica Federal. O presidente da CPI, senador Efraim de Moraes, rebateu com violência o comentário do presidente Lula de que a CPI dos Bingos não convocava qualquer ¿bingueiro¿, e chegou a dizer que ele precisava governar melhor antes de se meter nos trabalhos da CPI.

O senador Tasso Jereissati, depois de retirar a acusação de ¿trambiqueiro¿ que usou contra o presidente, reafirmou a acusação de que uma grande rede de corrupção fora armada dentro do governo, retomando o mote que havia sido perdido pela oposição nos últimos dias, o de que o que aconteceu foi a utilização dos órgãos estatais para financiar um esquema de poder do PT.

A aprovação de quebra de sigilo de várias corretoras que trabalharam com fundos de pensão foi também uma reação da oposição a comentários do presidente. E os governistas ontem aprovaram, numa retaliação à oposição, a convocação para a CPI do Mensalão de Ricardo Sérgio, ex-diretor do Banco do Brasil no governo Fernando Henrique, que teve papel importante nas privatizações.

Radicalizações de ambos os lados tiveram fortes efeitos políticos nos fatos que antecederam os embates de ontem, a começar pela decisão do PFL de lançar um candidato à presidência da Câmara, sem aceitar uma negociação com o governo, no pressuposto de que o PT já teria perdido o direito a indicar o presidente, embora tivesse a maior bancada na Câmara, no momento em que seu candidato oficial foi derrotado pela candidatura de Severino Cavalcanti.

O governo, que se sentia fraco na ocasião, estaria disposto a negociar um candidato palatável à oposição, mas teria sido levado a tentar uma reação política diante da disposição da oposição, especialmente do PFL, de derrotá-lo integralmente. Essa radicalização do PFL, que levou o PSDB a apoiar a candidatura do vice-presidente Thomaz Nonô, impediu que surgisse o candidato de consenso, que tanto poderia ter sido o deputado Sigmaringa Seixas, do PT, ou o presidente do PMDB, Michel Temer.

Qualquer dos dois teria evitado a disputa encarniçada que se viu na eleição de Aldo Rebelo, e o governo atribui à radicalização do PFL a possibilidade que teve de reunir novamente sua tropa na Câmara, refazendo pelo menos em parte a base aliada.

Essa recuperação do poder político na Câmara leva, porém, o governo a avaliações equivocadas, e a assumir posições arrogantes, como a do presidente Lula ao criticar em público a atuação das CPIs, irritado com a aprovação da acareação de seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, com os irmãos do prefeito de Santo André Celso Daniel, assassinado em circunstâncias ainda não esclarecidas.

É uma recuperação aparente, no entanto, porque a maioria do governo de apenas 15 votos é muito frágil, e pode ser quebrada a qualquer votação mais polêmica. Além do mais, o movimento do governo de tentar uma reação política também gerou uma união de forças do PFL com o PSDB, que terá repercussões na campanha sucessória do próximo ano. E a parte oposicionista do PMDB ficou mais oposicionista ainda, dificultando o projeto do governo de vir a ter o apoio do PMDB na campanha para reeleição de Lula.

Ainda no ramo das radicalizações políticas, a greve de fome do bispo Luiz Flávio Cappio contra o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, a despeito do absurdo da atitude messiânica do religioso, é mais um dos muitos efeitos bumerangue que o governo petista sofre desde que assumiu o poder central.

O bispo Cappio já foi um aliado político de Lula, e participou de uma das ¿caravanas da cidadania¿ que o então candidato petista fazia pelo país. O próprio Lula relembrou que fez uma greve de fome quando era líder sindical, e foi dissuadido por dom Pedro Casaldáliga. Também o hoje senador petista Paulo Paim fez uma greve de fome em protesto contra o valor do salário-mínimo.

Na coluna de domingo, escrevi que ¿um parecer¿ do ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, definia a questão do voto nulo. Na verdade, juiz não dá parecer. Tratava-se, portanto, de uma decisão sobre recurso em mandado de segurança de que ele foi relator, e que teve aprovação unânime da Turma do STF.

Na sua decisão, Pertence ressaltou que a validade da eleição é decidida antes da proclamação do resultado. Se houver a maioria de votos nulos, a eleição será anulada, não havendo, portanto, incoerência entre o que diz a Constituição ¿ que define que o vencedor será o que tiver maioria dos votos, excluídos os votos brancos e nulos ¿ e o código eleitoral, que diz que a eleição não será válida se os votos nulos forem maioria.