Título: Manipulação
Autor:
Fonte: O Globo, 06/10/2005, Opinião, p. 6

Ainterligação do São Francisco com bacias hidrográficas do semi-árido nordestino tem servido de palco para um cinematográfico ato de manipulação político-religiosa, encenado por um bispo da Igreja Católica, Luiz Flávio Cappio, em greve de fome contra o projeto.

Quando a obra estava prestes a receber o aval do Ibama, depois de uma intensa rodada de debates técnicos, a atitude do religioso transportou a questão para a esfera da irracionalidade.

Toda a argumentação técnica, que convenceu até ambientalistas, não tem qualquer valor para Cappio. O bispo desconsidera, por exemplo, que o projeto, antes de ¿transposição¿, foi reduzido em suas proporções, tornando-se de ¿interligação de bacias¿, para minimizar o impacto na vazão final do São Francisco. Os estudos mostram que o que será bombeado para atender a 28 milhões de pessoas, vítimas cíclicas da seca, é de pouco mais de 3% da vazão do rio.

O bispo diz protestar especificamente contra um suposto descaso com a revitalização do rio. Mas não apenas a reconstituição de matas ciliares e outras ações para revitalizar o São Francisco constam do projeto, como o governo poderá acelerar a tramitação de emenda constitucional com essa finalidade. Assim, cai a principal razão alegada por Cappio para protestar.

Mas como o assunto passou para o terreno da irracionalidade ¿ por onde também transitam de forma oportunista interesses regionais ¿ nada é levado em conta.

A Igreja como instituição precisa intervir contra essa chantagem do bispo Luiz Flávio Cappio. Pois caso surta efeito, ela prejudicará parte ponderável da população nordestina.

A greve de fome de um religioso contamina uma questão técnica de fatores religiosos e de fanatismo, numa região que já produziu Antonio Conselheiro. Querer impor a vontade por métodos autoritários e por meio da auto-imolação equipara o bispo Luiz Flávio Cappio aos homens-bomba do terror islâmico