Título: ONDE ESTÃO AS PÍLULAS DO PREFEITO?
Autor: ANDREA GOUVEA VIEIRA
Fonte: O Globo, 06/10/2005, Opiniao, p. 7

Há um ano o prefeito Cesar Maia comemorava sua reeleição no primeiro turno. Na primeira entrevista ao GLOBO, no dia seguinte à vitória, ele admitiu que o crescimento das favelas era um dos principais problemas da cidade. Foi mais além. Reconheceu que esse crescimento era resultado da alta taxa de fecundidade, muito maior nas comunidades carentes (1.12%) do que nos bairros formais (0.40%), o que desvirtuava a taxa média de crescimento da cidade total, de 0.52%. A migração tem efeito mínimo neste crescimento. O prefeito prometeu que iria cuidar da questão.

Um ano se passou e nada foi feito para ampliar o programa de planejamento familiar. Na verdade, a situação piorou neste ano, com a crise do SUS e a incapacidade do governo federal de transformar em realidade a promessa de que iria fornecer integralmente os meios para que as mulheres pobres pudessem exercer o seu direito constitucional de decidir quantos, como e em que momento querem ter seus filhos. A introdução da pílula do dia seguinte, não como método anticoncepcional, mas emergencial, resultou no protesto da Igreja e na contra-ordem imediata do prefeito. Nos Estados Unidos, esta pílula reduziu o número de abortos em 110 mil entre 1994 e 2000.

No Plano Plurianual (2006-2009), na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Orçamento de 2006 não há compromisso do prefeito com a questão.

Apesar de o programa existir no papel, na prática são pouquíssimas as mulheres do Rio atendidas com DIU, pílulas, diafragmas ou laqueadura de trompas. Todos os insumos diminuíram nestes três últimos anos, agravando-se a situação com perda pelo município da gestão do SUS. Enquanto isto, no debate sobre direito reprodutivo, privilegiou-se a luta pela legalização do aborto ¿ tema que divide a sociedade brasileira ¿ sem a necessária ênfase na promoção da eficácia do planejamento familiar, que poderia reduzir abortos e mortes de mulheres no país.

A inspeção especial do Tribunal de Contas do Município (TCM) no programa de planejamento familiar, realizada a meu pedido em abril deste ano, mostra a fragilidade das informações e, pior, o limitado alcance das ações. Existem cerca de 1 milhão e 200 mil mulheres em idade reprodutiva (de 15 a 40 anos). Deixamos de fora as meninas-mães. Entre 1995 e 2004, apenas 180 mil mulheres passaram pelo programa, implantado em 1992. Neste momento são 25 mil as mulheres inscritas, usando algum tipo de anticoncepcional. Atendimento pífio.

A dificuldade de acesso ao ginecologista, quando a pílula ou o DIU causam desconforto ou mal-estar, a falta dos insumos nos postos de saúde, a longa espera por uma vaga nos próprios cursos obrigatórios antes de poder optar por um dos métodos disponíveis levam milhares de mulheres a pedir a ligadura de trompas. Elas precisam ter mais de 25 anos e mais de dois filhos para ter este direito. Muitas já estão no quinto, sexto, oitavo filho. Segundo o relatório do TCM, as últimas estatísticas disponíveis sobre laqueadura de trompas são de 2003 e mostravam cerca de 2 mil mulheres com curso já feito esperando ser chamadas. No entanto, o mesmo relatório deixa claro que não existe na rede municipal pública nenhum laparoscópio em condições de realizar a ligadura.

O presidente do Instituto Pereira Passos, Sergio Besserman, na audiência pública sobre planejamento familiar na Câmara Municipal, afirmou que nenhum país do mundo alcançou o desenvolvimento sem uma drástica redução de sua população. Também mostrou que a taxa de nascimento nas favelas do Rio era igual e tão alta como as das áreas pobres do Nordeste, assim como as mulheres mais instruídas tinham o mesmo número de filhos, fosse no Rio, fosse no Nordeste.

A prefeitura tem excelente mapeamento dos bairros e favelas da cidade. Precisa com urgência apontar as necessidades e os problemas de cada área, apresentar metas e se comprometer com resultados na questão do planejamento familiar. Isto tem que estar previsto no PPA e o orçamento deve explicitar recursos e meios. As mulheres do Rio podem ser pobres e não ter instrução... Mas não são burras. Elas querem, sim, ter acesso aos métodos anticoncepcionais e não merecem ser punidas duplamente pela omissão do poder público.

ANDREA GOUVEA VIEIRA é vereadora (PSDB) no Rio.