Título: Moradores dizem que expansão é inevitável
Autor: Fernanda Pontes/Ruben Berta
Fonte: O Globo, 07/10/2005, Rio, p. 12

Para líderes comunitários, prioridade do poder público deveria ser a legalização dos imóveis das favelas

Enquanto vereadores e deputados têm apresentado projetos para conter a expansão das favelas ou até mesmo permitir a remoção de casas em algumas situações, como a realização de obras de saneamento, nas comunidades carentes os moradores dizem que as prioridades do poder público deveriam ser outras. Expondo mais um lado da cidade partida, líderes comunitários dizem não ser contrários à verticalização das favelas e muitos chegam a ver com bons olhos a ocupação de novas encostas, duas preocupações recorrentes da classe média. Para eles, a discussão que interessa é outra: o que querem é a legalização de todos os imóveis .

Presidente da Associação de Moradores do Bairro Barcelos, na Rocinha, Sebastião José Filho é um dos que defendem títulos de propriedade para os imóveis ilegais:

- Se os moradores das favelas pudessem legalizar suas casas, ter documentos, seria ideal. Poderíamos construir dentro da lei, com engenheiros da prefeitura opinando. Afinal, se São Conrado tem prédios com 25 andares, por que a Rocinha não pode ter com dez? Do jeito que tudo é feito hoje, informalmente, nem sei se os edifícios na Rocinha são seguros. Com a legalização, as dúvidas acabariam.

Líder comunitário critica atraso da prefeitura

Sebastião é um dos poucos que defendem a contenção, mas jamais a remoção, de barracos em áreas de proteção ambiental. Favorável aos eco-limites (cercas), ele diz que o problema da prefeitura é estar sempre atrasada.

- O problema é que a prefeitura nunca chega quando estão construindo uma ou duas casas em área de preservação. Mas querem destruir depois, quando já há dezenas de moradores. E, nesses casos, fica complicado. É preciso indenizar todo mundo, nunca há dinheiro.

Na opinião de Roberval Uzeda, presidente do Conselho Político da Federação das Associações de Favelas do Rio (Faferj), a legalização dos imóveis seria também uma forma de evitar a especulação imobiliária nas comunidades carentes:

- Há gente de classe média que tem 500 barracos, todos alugados, em favelas do Rio. Com a legalização, deveria haver também uma lei impedindo que as pessoas fossem donas de mais de um imóvel nas comunidades - diz Uzeda, que acredita que, mais do que discutir mudanças na Lei Orgânica e na Constituição estadual, vereadores e deputados deveriam lutar por melhorias nas favelas. - Quando está na época das eleições, aparecem dezenas de políticos com promessas. Depois, somem todos.

Segundo Ricardo Ferreira, presidente da Associação de Moradores do Parque Rubens Vaz, no Complexo da Maré, a ausência do poder público é constante:

- A prefeitura e o estado não oferecem cursos profissionalizantes, não fazem as obras de saneamento necessárias. Agora, querem discutir o crescimento das comunidades, formas de contenção. É claro que isso não adianta nada. As favelas vão continuar crescendo, para cima, para os lados, para onde der. Afinal, não há outras opções de moradia para os pobres.

O líder comunitário é contra qualquer tipo de remoção, com exceção da dos moradores que estejam em áreas de risco, exatamente o tipo de retirada permitida atualmente.

'Ser removido foi horrível', diz ex-morador da Rocinha

Remoção é um assunto que Clóvis do Nascimento Fonte aprendeu na infância - e do qual não quer ouvir falar de novo. No fim da década de 70, ele foi retirado pelo governo do estado, que estava construindo a Auto-Estrada Lagoa-Barra, da Rocinha, onde morava com a família. Aos 7 anos, Clóvis foi viver numa casa de dois andares, construída pelo poder público, em Antares, Santa Cruz, favela hoje com 45 mil habitantes. No novo lar, as ruas não eram calçadas nem havia saneamento básico. Mas o pior, para Clóvis, presidente da associação comunitária, foi perder a chance de ajudar no orçamento familiar.

- Na Rocinha, eu carregava bolsa de madame no mercado, vendia picolé na praia. Ser removido foi horrível. Parecia que eu estava em outro mundo - lembra Clóvis, que acha que a discussão sobre contenção de favelas ou remoção parcial é regional. - Querem impedir o aumento das comunidades da Zona Sul. Ninguém vai mexer no pessoal da Zona Oeste.

Para Uzeda, os projetos apresentados pelos vereadores e deputados não têm a menor chance de ser aprovados:

- Seria suicídio eleitoral.

Legenda da foto: CLÓVIS FONTE, que foi removido na década de 70 da Rocinha para Santa Cruz: mudança atrapalhou no orçamento familiar e marcou sua infância