Título: O sai-não-sai de uma favela
Autor: Fernanda Pontes/Ruben Berta
Fonte: O Globo, 07/10/2005, Rio, p. 12

Prefeitura anuncia novo prazo para desocupar área em Laranjeiras onde não se respeitam eco-limites

O novo prazo dado pela prefeitura - até o fim do ano - para a retirada de moradores da favela Vila Alice, em Laranjeiras, é apenas mais um capítulo de uma história que parece não ter fim. Há 13 anos, os proprietários do terreno tentam reavê-lo na Justiça; a própria prefeitura promete arcar com a remoção das famílias há um ano; e os moradores já adiantaram que não vão sair. Enquanto isso, a favela cresce e já beira a fronteira de uma comunidade vizinha, a Júlio Otoni, em Santa Teresa. Até mesmo as estacas de ferro do projeto Eco-Limites, criado para impedir o avanço das favelas sobre áreas verdes, ganharam novas utilidades na comunidade com mais de 90 casas: suporte para varal e pia, além de alicerce para um barraco.

Pelos cálculos do subprefeito da Zona Sul, Marcelo Maywald, há 83 famílias na comunidade, que fica na Área de Proteção Ambiental (APA) de São José. Cada uma receberia R$10 mil para sair. O dinheiro sairia do Fundo de Conservação Ambiental. Mas a própria Comissão de Moradores da Vila Alice estima que haja pelo menos 90 casas no terreno. Segundo Maywald, quem não está cadastrado pela prefeitura terá de sair sem indenização. João Carlos de Souza, membro da comissão, garante que ninguém deixará a comunidade:

- Se vierem nos tirar, vamos invadir o condomínio (Parque Residencial Laranjeiras, um dos donos do terreno). O que vamos fazer com R$10 mil? Vamos parar numa outra favela mais longe daqui?

O imbróglio em torno do terreno da Vila Alice começou em 1992, quando o Condomínio Parque Residencial Laranjeiras pediu na Justiça a reintegração de posse. Na época, havia apenas 39 barracos na comunidade. Em setembro do ano passado, a 6ª Câmara Cível deu ganho de causa aos proprietários, que incluem a Sociedade Hebraica. Três meses depois, o prefeito Cesar Maia publicou decreto de desapropriação da área, que previa a indenização dos moradores da favela e a transformação do terreno num parque público.

Prefeitura deverá ser processada

O que parecia ser uma solução transformou-se em mais polêmica. A gerente administrativa do condomínio, Maria Aparecida Silveira, diz que só espera a conclusão da desapropriação para ir novamente à Justiça, dessa vez contra a prefeitura.

- O terreno é nosso. É dever do poder público acabar com a invasão. Desapropriar a área sem nos consultar é absurdo. Temos de ser indenizados de alguma forma também.

A Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião, que assessora juridicamente os moradores da Vila Alice há um ano, também está insatisfeita. A advogada Jane Diniz aguarda a liberação da verba prometida pelo município desde a publicação do decreto. Mas, segundo ela, a prefeitura alegou durante este ano que não havia recursos:

- Queremos que as famílias sejam indenizadas, já que não têm para onde ir. Como a prefeitura disse não ter dinheiro, pedimos ajuda ao Ministério das Cidades.

Enquanto nada se resolve, os eco-limites, implantados na Vila Alice em 2002, são desrespeitados. Pelo menos quatro barracos de madeira já estão fora da área demarcada e um deles tem uma das estacas instaladas pela prefeitura como pilar.

Uma vistoria realizada pela Comissão de Meio Ambiente da Alerj na semana passada constatou que cerca de 20 metros de cabos de aço, que cercavam a comunidade passando pelas estacas, desapareceram.

- Os cabos foram roubados - disse o deputado Carlos Minc (PT), integrante da comissão.

O subprefeito confirmou o desaparecimento de dez metros de cabo, mas minimizou o problema, alegando que toda a favela será retirada em breve. João Carlos de Souza, morador da Vila Alice, nega o roubo. Ele disse que um grande trecho dos eco-limites sequer recebeu os cabos. Outros acabaram abandonados no matagal.

O crescimento da favela coincidiu com o de outra: a Julio Otoni, na subida de Santa Teresa. A comunidade, que hoje tem quase 400 casas na APA de São José, já encosta na Vila Alice.

- Nasci aqui há 37 anos e eram 26 casas, hoje temos 400 - disse Sizenaldo Marinho, morador da favela.

Segundo o o dentista Carlos Eduardo Lavander, que comprou um apartamento em 1999 com vista para a mata do Morro São Judas Tadeu, a Favela Julio Otoni se expande em ritmo acelerado e compromete o verde.

- Percebi o crescimento desordenado de noite, quando vi surgir pontos de luz na mata. Também escutamos tiroteios e motosserras.

O administrador regional de Santa Teresa, Cristiano Silva, garante que a Julio Otoni não está se expandindo:

- Monitoramos a área e o número de casas continua o mesmo há pelo menos quatro meses.

Se na favela há controvérsias, ao menos no asfalto a expansão parece mesmo contida: em julho deste ano, a prefeitura embargou uma obra de ampliação da capela do Condomínio Parque Residencial Laranjeiras.

Inclui o quadro: CONHEÇA O LOCAL