Título: INDÚSTRIA JÁ PODE PEDIR TAXAÇÃO DE CHINESES
Autor: Eliane Oliveira/Ronaldo D"Ercole
Fonte: O Globo, 07/10/2005, Economia, p. 23

Governo poderá adotar salvaguardas em setores que comprovarem prejuízo com invasão de produtos da China

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O Diário Oficial publicou ontem dois decretos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que permitem ao Brasil aplicar salvaguardas às importações da China. Assim, os setores que se sentirem prejudicados pela concorrência de produtos chineses agora poderão solicitar cotas ou sobretaxas ao Ministério do Desenvolvimento. Mas terão que comprovar prejuízos reais para se beneficiarem, temporariamente, desse tipo de proteção.

A medida era aguardada com ansiedade: ontem mesmo a Associação Brasileira das Indústrias Têxteis e de Confecções (Abit) ingressou com cinco pedidos de salvaguardas para produtos de seda.

- O governo brasileiro, a partir de agora, está aparelhado legalmente para acolher os pleitos do setor privado - afirmou o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan.

Um decreto específico trata dos produtos têxteis e de confecções, e outro, de produtos em geral. O prazo de análise dos processos é de quatro meses. No entanto, enquanto ocorrem as negociações junto às autoridades chinesas, o fluxo de importações de produtos da China não poderá crescer mais de 7,5% - e 6% no caso da lã - do total importado nos últimos 12 meses. Para os demais setores, o prazo de análise é oito meses.

A possibilidade de se aplicar salvaguardas para têxteis valerá até 2008 e, para os demais produtos, até 2013. No primeiro caso, as restrições durarão, no máximo, um ano. Para os outros itens, a sobretaxa poderá valer até três anos. Assim como ocorre com a legislação antidumping, o governo brasileiro terá direito a aplicar salvaguardas provisórias, antes de o processo ser concluído.

Governo continuará negociando com chineses

Na Organização Mundial do Comércio (OMC), só se pode aplicar salvaguardas às importações se elas valerem para todos os países, sem discriminação, em casos de surto de importações que causem danos à indústria nacional. Mas a China, ao se tornar membro da OMC, em 2001, aceitou que fossem estabelecidas restrições específicas como pedágio. A maior parte dos associados à OMC, como EUA e Argentina, já regulamentou as salvaguardas, só faltava o Brasil.

O ministro disse que, paralelamente à possibilidade de investigar danos causados pelas importações chinesas e aplicar, se necessário, cotas ou sobretaxas, o governo brasileiro negocia com autoridades chinesas acordos setoriais.

Segundo o diretor-superintendente da Abit, Fernando Pimentel, de janeiro a agosto as importações de seda chinesa cresceram 300% em relação ao ano passado. O setor já listou 75 produtos prejudicados pela concorrência chinesa. Já a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) disse que na próxima semana definirá a estratégia contra os calçados chineses. De janeiro a agosto, as importações de calçados chineses cresceram 130% em relação a todo o ano passado.

- Se nada for feito, até o fim do ano, 25 milhões de pares de calçados da China deverão entrar no país, representando 20% do mercado -- disse o diretor-executivo da Abicalçados, Heitor Klein.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, considerou a medida acertada, mas criticou a decisão do governo, que em 2004 classificou a China como economia de mercado:

- Contestar a condição da China como economia de mercado e defender a regulamentação das salvaguardas são bandeiras da Fiesp.

Legenda da foto: ZOELLICK (À direita) com Palocci: ameaça velada contra retaliação