Título: Traído e solidário
Autor: Cristiane Jungblut Luiza Damé
Fonte: O Globo, 08/10/2005, O País, p. 3

'Vocês têm de manter a cabeça erguida', diz Lula a petistas ameaçados de cassação

Diante de 66 deputados petistas, entre eles seis dos sete cassáveis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou solidariedade aos que estão ameaçados de perder o mandato por terem sacado dinheiro, diretamente ou por meio de assessores, das contas do empresário Marcos Valério de Souza que alimentaram o caixa dois do PT. Em reunião com a bancada petista na Câmara, ontem de manhã no Planalto, Lula disse que os deputados "erraram, mas não são corruptos" e criticou o fato de não terem falado a verdade desde o aparecimento das denúncias, ressaltando que a mentira "só piorou a crise política".

- O que o PT sofre hoje e o que alguns de vocês sofrem, também já sofri no passado. Se depender da minha opinião, vocês têm de manter a cabeça erguida. Desde o início tinha que ter contado tudo. O que piorou a crise é que no início ficaram dizendo que não tinha nada e depois apareceram os fatos - disse Lula, segundo relato de diversos parlamentares.

Palocci também se diz solidário

Reforçando a tese usada no governo e na bancada petista de que os deputados não podem ser punidos pela prática de caixa dois do PT, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que participou da reunião, também prestou solidariedade aos investigados:

- Gostaria de manifestar total solidariedade pessoal aos envolvidos, que estão pagando um preço alto por práticas irregulares do partido - disse Palocci, segundo deputados.

Segundo Sigmaringa Seixas (DF), Lula pediu que a bancada petista saia em defesa dos companheiros e que, se houver problemas, serão resolvidos internamente:

- O presidente tem dito que eles podem ter errado, mas não há prática de corrupção. O caixa dois é uma prática errada, mas muitos dos que criticam os petistas sempre fizeram.

Mais tarde, o ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner, e os líderes do governo, Arlindo Chinaglia (SP), e do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), explicaram que Lula prestou "solidariedade pessoal e humanitária", não se tratando de endosso aos atos cometidos pelos cassáveis. Entre os presentes à reunião estava o ex-ministro José Dirceu (SP), um dos que respondem a processo. O único dos sete que não compareceu foi João Magno (MG).

- O presidente disse que reconhecia a situação de dificuldade dos parlamentares e lembrou que eram companheiros de longa jornada, mas isso não é solidariedade no sentido de botar panos quentes - disse Chinaglia.

Wagner insistiu em dizer que Lula fez apenas uma referência à situação dos deputados e que a questão da renúncia ou cassação não foi abordada:

- É natural que ele (Lula) manifeste solidariedade àqueles que estão ameaçados de perder o mandato. Mas no sentido de que, mesmo quando alguns erram e vão ser condenados, nem por isso eles devem perder o respeito e a solidariedade nossos.

Lula, segundo parlamentares, disse que os investigados não sofrem de uma "doença contagiosa" que possa contaminar os demais. Mais tarde, ao comentar a situação dos petistas, Wagner foi na mesma linha:

- São pessoas com quem convivemos e que enfrentam problemas. Não precisa dar uma cusparada na cara.

Lula também cobrou mais agressividade dos petistas na defesa do seu governo e alertou que, se o PT não se apoderar dos êxitos de sua gestão, a oposição o fará. Uma das preocupações do presidente é que prospere, na campanha de 2006, a tese de que a política econômica atual é uma continuidade do governo Fernando Henrique. Lula apelou para que os petistas não fiquem acuados diante dos ataques da oposição.

- Se vocês não se apoderarem, a oposição o fará. O segundo apelo é para que os deputados não fiquem acuados - disse Lula num encontro fechado, de acordo com Chinaglia.

Segundo outro deputado, Lula foi mais longe:

- É preciso solidariedade entre os petistas, na defesa de nosso projeto de país e de governo. É inaceitável que não defendam o partido e o governo.

O presidente sugeriu que, na defesa do governo, os deputados provoquem o debate e comparem os resultados dos três anos de sua gestão com os oito anos de Fernando Henrique.

Foi a primeira reunião formal de trabalho do presidente com a bancada petista em três anos de governo. Dos 83 deputados petistas, 66 participaram do encontro, que durou mais de três horas. Eles cobraram um canal permanente com o Planalto e mudanças na taxa de juros e atacaram o grande número de medidas provisórias. A bancada também reclamou que o governo tem feito um superávit primário superior à meta acertada com o FMI, que é de 4,25%, e que esses recursos deveriam ser aplicados em infra-estrutura e projetos sociais. Em resposta, Palocci apresentou os resultados da economia e argumentou que os avanços do governo no setor têm um preço, como a manutenção do superávit primário.

COLABORARAM Isabel Braga e Ilimar Franco

As frases do presidente

"Nós temos que ser parceiros, e parceiro é solidário com seu parceiro"

Em 17 de maio, durante almoço com líderes aliados no Planalto, referindo-se a Roberto Jefferson

"Quero dizer a vocês, com toda a franqueza: me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia e que chocam o país"

Em 12 de agosto, na abertura da reunião ministerial na Granja do Torto

Legenda da foto: NA REUNIÃO, Paulo Rocha e Dirceu (à esquerda), Luizinho (o sexto na primeira fila) e Mentor (o terceiro na segunda fila)