Título: Ilusão armada
Autor:
Fonte: O Globo, 08/10/2005, Opinião, p. 6

Os números são impressionantes. Segundo a Secretaria de Segurança do Estado do Rio, de 86 mil armas de fogo apreendidas com criminosos desde 1999, 52 mil, ou 61%, pertenciam originalmente a cidadãos sem antecedentes criminais. Apenas 28% tinham origem realmente ilegal. Especificamente no caso do narcotráfico, 51% das armas em mãos das quadrilhas tinham pertencido antes a homens de bem.

São dados muito importantes para subsidiar o debate sobre a consulta popular do próximo dia 23, a respeito da proibição do comércio de armas de fogo, e que reforçam decisivamente a argumentação a favor do "sim". Porque restam ao lado oposto as opiniões caracterizadas ou pelo emocionalismo demagógico - "querem tirar dos cidadãos o direito da legítima defesa" - ou pelo sofisma de apontar como inatingíveis objetivos que a campanha pelo desarmamento e pela proibição do comércio jamais tiveram, como os de reprimir o crime organizado, o contrabando, o roubo em arsenais das Forças Armadas ou o desvio de armamentos por obra de policiais mancomunados com criminosos.

Possuir um revólver não assegura, de forma alguma, que o cidadão poderá se proteger de um assalto; pelo contrário, a conhecida e sensata recomendação da Polícia é que as vítimas nunca devem reagir. Mas esse homem de bem que tem uma arma, como a estatística deixa claro, é o principal, embora involuntário, fornecedor de armamento leve aos bandidos. Função que, desarmado, deixará de exercer. Continuará tão indefeso quanto antes - mas não mais.

Quanto às vendas clandestinas, se alguém ainda tem dúvidas sobre o papel secundário dessa atividade, basta considerar a expectativa da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), caso prevaleça a proibição do comércio legal: queda de produção, com tentativa de compensá-la por meio de exportações. Ou seja: menos armas no país. Sinônimo de menos mortes, menos lesões graves, menos desfechos trágicos de discussões em casa, entre vizinhos ou no trânsito.

Os homens de bem são os maiores fornecedores dos criminosos