Título: 'BIBLIOTECA PREPARADA PARA NOVOS DESAFIOS'
Autor:
Fonte: O Globo, 08/10/2005, O País, p. 11

Corrêa do Lago diz que pedido de demissão não tem relação com ação do Ministério Público Federal

Pedro Corrêa do Lago diz que deixou a presidência da Biblioteca Nacional por razões pessoais, e não pela ação movida pelo Ministério Público Federal por improbidade administrativa na edição da revista "Nossa História". "Meus advogados estão confiantes nos argumentos de defesa", afirma Corrêa do Lago. Ele diz que a cessão de graça de fotos da Biblioteca para a revista é justificada pela contrapartida do sucesso da publicação. "Essa contrapartida foi de 70 mil revistas que equivalem a um valor vinte vezes maior do que a Biblioteca receberia se cobrasse seu preço de tabela". Ele reconhece que as dificuldades burocráticas também pesaram em sua decisão. " Foram quase três anos de trabalho intenso mas muita frustração", admitiu.

Quando o senhor resolveu se demitir e que motivos o levaram a tomar essa decisão? A ação de improbidade instaurada pelo Ministério Público no dia 17 de maio contribuiu para isso?

PEDRO CORRÊA DO LAGO: Conversei com o ministro Gilberto Gil há quase dois meses sobre o meu afastamento da Biblioteca Nacional por motivos de ordem pessoal e ficou combinado que eu só pediria demissão logo depois de representar a Biblioteca e o ministério na exposição Frans Post no Louvre, da qual era o curador e que foi inaugurada em 29 de setembro. Esta é uma das três mais importantes manifestações do ano do Brasil na França organizado pelo Ministério da Cultura e o ministro quis que eu ainda participasse como presidente. Há quatro dias, combinei que mandaria a carta de demissão tão logo voltasse ao Brasil, no dia 6 de outubro, e foi o que fiz. A ação do Ministério Publico está rolando desde maio e meus advogados estão confiantes nos argumentos de defesa. Minha decisão de pedir demissão não tem nenhuma relação com esta ação, mas sim com as dificuldades orçamentárias da Biblioteca, apesar dos esforços do ministro Gil. Também pesou o fato de estar afogado em assuntos burocráticos e não sobrar tempo para contribuir para a Biblioteca nas áreas do acervo raro em que sou especialista.

Qual a sua avaliação de sua administração?

CORRÊA DO LAGO: Foram quase três anos de trabalho intenso mas muita frustração com as dificuldades estruturais da Biblioteca e a situação aviltante dos salários dos funcionários, que não são reajustados há doze anos e que só têm hoje 20% do poder aquisitivo de 1993. Ainda assim foi possível incrementar a pesquisa, realizar várias obras importantes, fazer exposições de grande sucesso - como a de Chico Buarque, que levou mais de 50 mil pessoas à Biblioteca Nacional - editar livros e revistas, e sobretudo, reorganizar administrativamente a instituição, o que deu muito trabalho. Tenho grande orgulho do Conselho de Pesquisa em História da Biblioteca Nacional criado por mim, formado por dez dos maiores historiadores do país, que colaboram gratuitamente com a Biblioteca desde 2003. Eles são os grandes responsáveis pelo sucesso da primeira fase da "Nossa História" e agora da "Revista de História da Biblioteca Nacional", da qual muito me orgulho. Esses projetos foram integralmente concebidos na Biblioteca Nacional e deram uma divulgação inédita às atividades e ao acervo da instituição. A frustração legítima dos funcionários com suas dificuldades materiais deixaram toda a Cultura em greve em seis dos últimos doze meses, inclusive a Biblioteca. Isso criou dificuldades óbvias e alterou rotinas administrativas e de segurança que influíram em várias ocorrências, como a do furto de fotografias que ficará como a minha maior tristeza nesta gestão. Dentre as muitas dificuldades, acredito estar deixando para o meu sucessor uma Biblioteca bem melhor preparada para novos desafios.

O que foi feito até agora para esclarecer o furto de 150 imagens históricas do século XIX do acervo da biblioteca, em julho? Que medidas foram tomadas para impedir que ocorram novos furtos?

CORRÊA DO LAGO: Tão logo soube do furto informei à Polícia Federal e ao Ministério da Justiça, que tem conduzido o inquérito sobre segredo de justiça para não prejudicar as investigações, o que me impede de prestar mais informações. Só posso dizer que tenho colaborado ativamente com o procurador da República que acompanha o caso.

A revista "Nossa História", publicada pela Biblioteca Nacional, foi feita com gráfica, fotolitos e distribuição da Editora Vera Cruz. Por que ela foi escolhida sem um processo de licitação pública?

CORRÊA DO LAGO: Não havia necessidade de licitação pública, pois a parceria da Fundação Miguel de Cervantes - criada na gestão anterior para captar recursos para a Biblioteca - com a editora Vera Cruz - pertencente ao parceiro patrocinador, Dr. Aloysio Faria - não envolvia recursos públicos. A revista era publicada fisicamente pelo patrocinador, mas editada integralmente sob a supervisão do conselho de pesquisa da Biblioteca Nacional e continha varia seções dedicadas às suas atividades. A fórmula idealizada pelo conselho da Biblioteca deu tão certo que a revista se tornou logo líder no seu segmento.

O Ministério Público sustenta que um órgão público como a Biblioteca Nacional não pode ceder seu acervo de imagens e textos a uma editora privada que o usará para fins comerciais sem que se firme um contrato e tampouco sem licitação. Esse é o ponto central da ação de improbidade. O senhor acredita que foi mal assessorado?

CORRÊA DO LAGO: A Biblioteca atende anualmente centenas de editoras privadas que pagam um preço de tabela pelo uso das imagens do acervo. Um dos fins precípuos da Biblioteca é divulgar suas coleções. Não há nada de errado em ceder imagens para qualquer tipo de publicação mediante contrapartida. No caso da revista "Nossa História", esta contrapartida foi de 70 mil revistas que equivalem a um valor vinte vezes maior do que a Biblioteca receberia se cobrasse seu preço de tabela. Se este é, como você menciona, o ponto central da ação, então esta não procede. Se o procurador tivesse conversado comigo antes de entrar com a ação ele disporia deste dado essencial que lhe escapou e que faz toda a diferença.

Legenda da foto: PEDRO CORRÊA DO LAGO: "Foram quase três anos de trabalho intenso mas muita frustração"