Título: Campanha do sim vê falhas em programa de TV
Autor: Evandro Éboli/Cláudia Lamego
Fonte: O Globo, 08/10/2005, O País, p. 12

'É preciso contrapor melhor o direito à arma ao direito à vida', diz publicitário responsável pela propaganda gratuita

RIO e BRASÍLIA. No balanço da primeira semana de propaganda gratuita do referendo das armas na TV e no rádio, a campanha do não saiu na frente e provocou uma crise na frente do sim. No Rio, o deputado estadual Carlos Minc (PT-RJ), um dos coordenadores da frente no estado, disse ontem que o sim perdeu o primeiro round na disputa pelos eleitores. Segundo ele, além do bom discurso da preservação do direito, a campanha do não acertou também ao se apropriar da questão da segurança pública.

- Não estamos indo bem. Precisamos desconstruir o discurso deles. É preciso dizer que a proibição do comércio de armas vai ser o primeiro passo para a diminuição da violência. Depois, vamos pressionar para que os bandidos também sejam desarmados e que a polícia seja bem equipada e qualificada para nos proteger - disse Minc.

Publicitário admite que será preciso mexer no programa

O publicitário Paulo Alves, que coordena o programa gratuito da Frente Brasil sem Armas, admitiu que será preciso fazer ajustes na propaganda. Para ele, o discurso da preservação do direito à legítima defesa, apresentado pelos que são contra a proibição do comércio de armas, foi bem-sucedido.

- Vamos ter que passar a abordar essa questão do direito também. Não podemos deixar que ela prospere. É preciso contrapor melhor o direito à arma ao direito à vida - disse Paulo Alves.

O publicitário, porém, considera o êxito dos adversários transitório. Ele acredita que será difícil sustentar por muito tempo que o direito que eles defendem, na realidade, é o da bala e da arma.

- Reconheço um acerto na campanha adversária. Mas ele pode ser revertido.

Os principais articuladores da campanha do sim querem ainda atingir os segmentos que resistem ao desarmamento, principalmente os jovens. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), um dos coordenadores do grupo, disse que pesquisas qualitativas apontam que os jovens das classes D e E são os que mais resistem à proposta da proibição da vende de armas:

- É o setor mais vulnerável, principalmente o jovem pobre da periferia, onde há muita violência.

Diferentemente de Minc, o deputado considerou satisfatório o resultado da primeira semana de campanha pelo voto sim. Jungmann afirmou que os programas se concentraram em afirmar que não há qualquer perda de direito com o fim da venda de armas e munição e que foi ressaltado o respeito à vida. Segundo Jungmann, a proposta de seu grupo está vencendo o não em vários outros segmentos, como as mulheres, os adultos e os eleitores de escolaridade média e alta.

Se há problemas na condução da campanha a favor do fim do comércio de armas, o mesmo não ocorre na frente adversária. Os responsáveis pela campanha do não estão satisfeitos com os resultados obtidos até agora e acreditam que sairão vitoriosos. O deputado Alberto Fraga (PFL-DF) circulou pelo Congresso exibindo otimismo e assegurando que a proposta que defende sairá vencedora. Josias Quintal (PSB-RJ), ex-secretário de Segurança do Rio, diz que a campanha está crescendo e ganhando adesões.

O deputado Luiz Antônio Fleury (PFL-SP), um dos coordenadores do grupo, afirmou que aos poucos as pessoas estão se interessando pela discussão e isso se reflete no número de debates de que tem participado. Nesta semana, foram dois por dia:

- Não sei se já houve influência significativa a nosso favor. A receptividade tem sido muito grande e a reação da platéia tem sido positiva.

O parlamentar criticou a campanha da frente adversária. Para ele, "há artista demais e informação de menos".

- A nossa é bem mais esclarecedora. Espero que continue assim.

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Mortes ocorrem por motivos fúteis

Pesquisa mostra que campanha diminuiu número de feridos

RIO e BRASÍLIA. Duas pesquisas sobre o uso de armas de fogo foram divulgadas ontem. No Rio, um estudo do Núcleo de Pesquisas sobre Criminalidade e Violência Urbana da UFRJ mostra que 46,4% dos crimes por arma de fogo cometidos por pessoas conhecidas das vítimas e registrados no Programa Delegacia Legal, no Rio, foram brigas fúteis: domésticas, de vizinhança, de bar, entre amigos, colegas de trabalho, entre outros. Os dados são do período de 2002 a 2005.

De acordo com a pesquisa, pelo menos 880 pessoas foram mortas ou gravemente feridas nesse período por conflitos entre pessoas que tinham algum relacionamento. A maior parte dos crimes aconteceu entre vizinhos (28,8%), conhecidos (20,1%), parentes (19,2%) e amigos (12%). Cerca de 16% dos casos se referem a pessoas com relacionamento afetivo atual e do passado. As ocorrências analisadas se referem a homicídio doloso, tentativa de homicídio, homicídio culposo, lesão por arma de fogo, lesão seguida de morte e roubo seguido de morte.

Em Brasília, o estudo "Impacto da política de desarmamento na internação por arma de fogo", divulgado ontem pelo Ministério da Saúde, mostra que a campanha pelo desarmamento deflagrada ano passado em todo o país, que tirou de circulação mais de 443 mil armas de fogo, foi responsável direta pela redução do número de pessoas feridas por armas de fogo. Em 2004, as internações hospitalares por acidentes com armas caíram 13% em relação a 2003, representando 869 pessoas a menos feridas por tiros atendidas nas unidades do SUS.

Mês passado, o Ministério da Saúde já divulgara outro estudo, mostrando que o recolhimento das armas poupou pelo menos três mil vidas em 2004, uma queda de 8,2% no número de mortes em relação ao ano anterior. Os acidentes são provocados por tiros disparados sem a intenção clara de matar. O ministério inclui nessa categoria situações ocorridas em ambiente doméstico e brincadeiras entre crianças e adolescentes. No ano passado, foram registradas 5.867 internações provocadas acidentalmente por arma de fogo, contra 6.736 internações em 2003.

Segundo o sociólogo Michel Misse, coordenador da pesquisa da UFRJ, somente um dos crimes pesquisados aconteceu por legítima defesa. Misse destacou que 46% dos que reagiram a assaltos foram assassinados. Com base nos números, ele projeta que 1.700 vidas poderiam ter sido poupadas se o comércio de armas fosse proibido.

- O número de crimes cometidos por motivos fúteis é muito relevante. Isso mostra a importância do nosso argumento a favor do sim - disse Misse.

POR QUE VOTO NÃO 1

LYA LUFT, escritora: "Votarei contra. Acho que procura desviar atenção de coisas graves que ocorrem neste país, vide as comprovadas denúncias que vêm sendo feitas nas CPIs. Sou a favor de se combater a violência, a corrupção e a impunidade em lugar de deixar o cidadão comum ainda mais desprotegido, uma vez que o Estado não lhe oferece segurança alguma."

POR QUE VOTO SIM 2

CÍCERO SANDRONI, escritor: "Em 1987, nossa casa foi assaltada. O ladrão atirou à queima-roupa e a bala alojou-se em meu peito, onde está até hoje. Tenho certeza que o revólver era legal, assim como estou certo de que, se eu possuísse uma arma, seria outra a serviço do crime. Sou contra o comércio de armas. Fui ferido em razão da existência dessa indústria e desse comércio sinistros."

Legenda da foto: A CAMPANHA DO SIM: mães de vítimas de armas de fogo choram a morte dos filhos