Título: Espigões se multiplicam na Rocinha
Autor: Selma Schmidt/Alessandro Soler
Fonte: O Globo, 08/10/2005, Rio, p. 14

Líder comunitário diz que novas lajes surgiram após declaração de Cesar

Sem regras que fixem gabaritos, os construtores informais da Rocinha estão transformando o trecho próximo ao espigão da comunidade (Estrada da Gávea 304) numa espécie de selva de pedra, que cresce num ritmo ainda mais acelerado. Carlos Costa, presidente da Associação de Moradores do Laboriaux, uma das mais novas regiões da favela, revelou que as lajes voltaram a subir depois da declaração do prefeito Cesar Maia de que " é muito melhor ter prédios grandes na Rocinha do que na praia, pois eles produzem sombras"

- Só na minha vizinhança, dois moradores ergueram mais lajes nas noites seguintes à fala do prefeito. Fui reclamar e eles simplesmente colaram na parede a reportagem em que Cesar Maia praticamente estimula os espigões. O que eu poderia responder? - disse Carlos.

Prefeito desautoriza secretário de Urbanismo

Embora as obras continuem a todo o vapor, por determinação do prefeito Cesar Maia a minuta de decreto criando parâmetros urbanísticos para a Rocinha está em compasso de espera. O secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, chegou a anunciar que entregaria até ontem o documento a Cesar Maia. Mas, durante reunião com o segundo escalão da prefeitura, quarta-feira no Riocentro, o prefeito desautorizou Sirkis, ao fazer duras críticas a ele e afirmar que o secretário estava sendo pautado pela mídia.

Por e-mail, o prefeito voltou a desautorizar Sirkis, que na terça-feira anunciara o programa Rocinha Legal. Além da minuta de decreto, o plano que foi apresentado prevê a remoção, por etapas, de cerca de 360 famílias, sendo prioritário o reassentamento ou pagamento de indenização a 70 delas que moram fora dos eco-limites (cercas). Para a demolição das 70 casas que estão fora das barreiras, foi estimado um gasto de R$700 mil.

"É um absurdo o numero de imóveis que ele (Sirkis) falou. Absurdo! Os que estão fora dos eco-limites e que serão reassentados - dentro da Rocinha, por vontade e interesse dos moradores e a pedido deles - não são nem 5% do numero citado", disse o prefeito no e-mail. O secretário não quis comentar o assunto.

Fiscalização de obras é feita por três funcionários

Com entrada pelo Portão Vermelho (Estrada da Gávea 306), área de preservação permanente, um edifício já chegou ao sétimo andar e está parcialmente ocupado. Num prédio logo abaixo, esta semana operários faziam laje no quarto pavimento. Mais abaixo, o edifício em cujo térreo funciona o Bob's tem nove andares (incluindo duas coberturas). Perto dali, num beco da Rua Dois, um imóvel também com nove pavimentos se destaca.

Em reunião terça-feira com representantes de associações de moradores, do Ministério Público e do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon-RJ), na qual foi apresentado o programa Rocinha Legal, a coordenadora de Regularização Urbanística da Secretaria de Urbanismo, Tânia Castro, revelou a precariedade da fiscalização na favela. Um funcionário da secretaria é encarregado de fiscalizar diariamente as construções. Num único dia da semana, outros dois servidores da prefeitura se juntam a ele no Posto de Orientação Técnica (POT) da comunidade.

- A Rocinha é um megaproblema. Tem de haver um compromisso da cidade toda para que se possa resolvê-lo - disse Tânia.

Para o presidente da Associação de Moradores do Bairro Barcelos (Rocinha), Sebastião José Filho, as funcionários da prefeitura que trabalham no POT quase nada podem fazer:

- É uma covardia o que a prefeitura faz com esse pessoal. Eles são muito poucos para atuar numa comunidade do tamanho da Rocinha.

Luiz Fernando Penna, diretor da Associação de Moradores do Alto Gávea, concorda:

- A prefeitura precisaria ter pelo menos 20 fiscais na Rocinha.

Segundo o promotor Carlos Frederico Saturnino, da Primeira Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva/Meio Ambiente, o número pequeno de funcionários no POT da Rocinha mostra que conter o crescimento da favela não é prioridade da atual administração:

- A fiscalização teria de ser permanente, feita por mais funcionários e com monitoramento por fotografias de satélite - afirmou o promotor, lembrando que o Ministério Público aguarda decisão do Judiciário sobre ação contra 14 proprietários e vendedores de lotes no Portão Vermelho, que pede a demolição de dez construções.

O presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara de Vereadores, Luiz Antônio Guaraná, ressaltou que o problema da fiscalização de obras na Rocinha não depende só de funcionários:

- É impossível fiscalizar se não se tem uma legislação. Hoje, tudo é ilegal na Rocinha.

Roberto Kauffmann, presidente do Sinduscon-Rj, também comentou o assunto:

- Para conter o crescimento da Rocinha e de outras favelas, é preciso haver parceria entre os governos municipal, estadual e federal. A prefeitura tem de atuar junto, por exemplo, com a Secretaria estadual de Meio Ambiente e o Ibama. Em paralelo, tem de ser regulamentada a lei que cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, para facilitar as construções para a baixa renda.

COLABOROU: Alessandro Soler