Título: Fuzis se espalham pelo país
Autor: Elenilce Bottari/Chico Otávio
Fonte: O Globo, 09/10/2005, O País, p. 3

Restrito ao Rio até os anos 90, tráfico de armas de guerra abastece quadrilhas no interior

O poder de alcance de fuzis e metralhadoras já ultrapassa as fronteiras dos estados. Preferidas pelo crime organizado, armas de guerra estão atravessando o país para garantir as ações de quadrilhas especializadas em assaltos a banco e carro-forte, saques em cidades pequenas, seqüestros e tráfico de drogas. Operações realizadas pela Polícia Federal nos estados revelam que, diferentemente dos anos 90, quando este tipo de contrabando de armas era um problema restrito ao Rio de Janeiro, os fuzis se espalharam pelo país, do Rio Grande do Sul ao Pará.

A cada 15 dias, segundo dados da PF, uma cidade no interior do Norte, do Nordeste ou do Centro-Oeste do país sofre invasões de quadrilhas armadas com fuzis, metralhadoras e submetralhadoras. Os maiores alvos são bancos. Na última quinta-feira, foi a vez da cidade Medicilândia, no Pará, ser atacada. Doze assaltantes armados com fuzis e metralhadoras invadiram a agência do Banco do Brasil e obrigaram clientes e pessoas que passavam na rua a formar um escudo para protegê-los da polícia. Os assaltantes entraram atirando com fuzil e metralhadora.

Fuzis chegam em caminhões de carga

Em Maurilândia, cidade no interior de Goiás com nove mil habitantes, já foram registradas duas invasões. Na última, em agosto deste ano, uma tentativa de assalto à agência do Banco do Brasil espalhou pânico entre os moradores e deixou seis pessoas mortas e pelo menos oito feridas.

- São quadrilhas especializadas que chegam a passar dias planejando um assalto e contam com uma estrutura de crime organizado. As armas são levadas desmontadas em caminhões de cargas e normalmente ficam nas cidades próximas ao local que será atacado - disse o delegado Marcus Vinicius da Silva Dantas, chefe-substituto da Divisão de Repressão ao Tráfico de Armas (DARM) da Polícia Federal.

Segundo ele, os assaltantes costumam chegar nas cidades-alvos dias antes, desarmados, para levantar as datas de pagamento de INSS para saber quando haverá dinheiro em caixa nos bancos:

- As armas ficam no caminhão ou em fazendas vizinhas até o dia escolhido para o assalto. Então eles roubam carros na estrada e já chegam atirando, aproveitando que nessas regiões o efetivo policial é muito pequeno.

Desde que foi criada, em setembro de 2003, a DARM vem trabalhando em operações com as Divisões de Repressão a Crimes contra o Patrimônio e Repressão a Crimes contra o Sistema Financeiro, todas estas unidades subordinadas à Divisão de Repressão ao Crime Organizado.

As rotas de maior incidência de tráfico estão nas fronteiras do Brasil com Paraguai, Argentina e Uruguai. No Paraguai, as fronteiras mais usadas são a de Foz do Iguaçu com Cidade del Leste (Paraguai), e com Puerto Iguazú, na Argentina; entre Ponta-Porã e Pedro Juan Caballero (Paraguai) e entre Guaíra (PR) e Salto del Guairá (Paraguai). Na divisa do Brasil com o Uruguai, as fronteiras com maior incidência de apreensões são entre Santana do Livramento e Rivera e entre Quarai e Artigas. Já no limite com o território argentino, o tráfico atravessa a Tríplice Fronteira com Paraguai (Porto Iguazú/Foz) e Uruguaiana e Paso de los Libres.

A forma de contrabandear também mudou. Hoje o tráfico é conhecido por formiguinha: as armas chegam pelas fronteiras em pequenas quantidades, quase sempre desmontadas para fugir da fiscalização.

No Rio, armas são destinadas ao tráfico

Quadrilhas de traficantes usam fuzis e metralhadoras para disputar pontos de drogas

No Rio, o tráfico de armas de guerra tem como endereço as favelas dominadas por quadrilhas de traficantes de drogas que usam fuzis, metralhadoras e granadas para disputar com outras quadrilhas os pontos de drogas e para enfrentar a polícia. Nos últimos seis anos foram apreendidas cerca de 86 mil armas, mas ainda há um grande arsenal nas mãos de traficantes. Segundo o delegado Carlos de Oliveira, titular da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (DRA), o contrabando de armas se divide em dois grupos:

- O que nós verificamos é que para assaltos a pedestres ou lojas, o tipo de arma usada é o revólver, geralmente conseguido com pessoas que revendem ilegalmente sua arma ou mesmo em decorrência de roubo a residências. Já o crime organizado, as quadrilhas, buscam armas de guerra, por meio de desvios de corporações policiais e forças militares ou do tráfico.

Rastreamento mostrou que armas estrangeiras vêm dos EUA

Segundo Oliveira, um rastreamento feito pela DRA em 1.030 armas de fogo, sendo 886 nacionais e 144 estrangeiras revelou que a maioria das armas chega por fronteiras terrestres. No caso das armas nacionais apreendidas, o rastreamento mostrou que 73% vieram do Paraguai. No caso das armas estrangeiras, o rastreamento mostrou que 67% vem dos Estados Unidos, 12% da Espanha e 7% da Áustria.

Segundo o chefe-substituto da Divisão de Repressão ao Tráfico de Armas (DARM) da Polícia Federal, delegado Marcos Vinicius da Silva Dantas, levantamentos que vêm sendo feitos pelas divisões de Repressão ao Crime Organizado, de Repressão a Crimes contra o Patrimônio e pela DARM mostram que no Sul do país, o tráfico de armas de guerra, como fuzis e metralhadoras, tem como destino quadrilhas especializadas em roubos de carga e assaltos a carros fortes. De acordo com a polícia, em estados como o Rio Grande do Sul, as quadrilhas levantam o itinerário e os horários dos carros fortes e mesmo cargas de valores e assaltam na estrada, como houve na RS 287, em direção à cidade de Candelária.

http://oglobo.globo.com/especiais/referendo/

POR QUE VOTO NÃO 1

PEDRO ESTEVAM SERRANO, professor de Direito Constitucional da PUC-SP: "Sou contra a proibição de posse de armas de fogo pela mesma razão que sou contra a criminalização do uso de drogas e a criminalização do aborto. As restrições normativas estão extinguindo a liberdade das pessoas. A imensa maioria das armas em poder das pessoas, mesmo as de bem, encontra-se em estado irregular, já podendo ser apreendida pelo Estado. Até para isso a segurança pública é ineficaz. Não é uma lei que mudará essa situação."

POR QUE VOTO SIM 2

DALMO DE ABREU DALLARI, membro da Comissão Internacional de Juristas: "Num Estado civilizado, a segurança pública é função do governo e deve ser cobrada pela população. É uma ilusão pensar que o cidadão comum se protege com uma arma em casa. Está provado que ele é um grande fornecedor de armas para os bandidos. A existência de armas nas residências dá margem a muitas tragédias que poderiam ser evitadas com a proibição da venda. A arma é mais um fator de violência do que de proteção."

Legenda da foto: O DELEGADO SILVA segura um fuzil com detalhes em dourado: a DFAE guarda 500 mil armas entre revólveres, fuzis e metralhadoras