Título: Disputa por doações será acirrada em 2006
Autor: Adriana Vasconcelos/Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 09/10/2005, O País, p. 13

Oposição e governo acreditam que empresários estarão mais arredios após os escândalos de caixa dois

BRASÍLIA. Mesmo sem as mudanças no sistema eleitoral, a descoberta das ligações entre o petista Delúbio Soares e o empresário mineiro Marcos Valério vai dar um novo ingrediente à campanha eleitoral do ano que vem: a disputa por doações de dinheiro vai ser quase tão intensa quanto a por votos. Tanto os dirigentes de partidos investigados sob suspeita de terem feito caixa dois nas duas últimas eleições quanto os que investigam o esquema no Congresso são unânimes ao apostar que as doações serão mais escassas, os empresários estarão mais arredios e as campanhas podem ficar mais baratas. Menos pelas boas intenções dos políticos e mais pela falta de dinheiro.

- Enquanto não implantarmos o financiamento público de campanha, será um Deus-nos-acuda. Gente tomando bolacha de cego. Não há dúvida que haverá uma retração das empresas, que vão temer se envolver em escândalos políticos. Será um estado de guerra de todos contra todos - prevê o presidente da CPI do Mensalão, senador Amir Lando (PMDB-RO).

- As eleições serão paupérrimas, especialmente para o PT - concorda o presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS).

Tesoureiro do PSDB, o deputado João Almeida (BA) acredita que os empresários que já contribuem para campanhas legalmente podem continuar, mas certamente diminuirão o volume de recursos. O tucano acha, entretanto, que o caixa dois dos partidos não vai acabar enquanto a lei não for modificada:

- O que se quer atingir não será atingido nunca. O caixa dois só acaba quando mudar o sistema eleitoral, porque atualmente ter mais dinheiro significa ter mais possibilidade de ganhar as eleições - diz o tesoureiro tucano.

O deputado federal Eunício Oliveira (PMDB-CE), ex-ministro das Comunicações, diz acreditar que quem fizer caixa dois vai estar correndo um risco muito grande.

- O caixa dois é invisível, mas depois disso tudo que aconteceu, se alguém insistir na prática estará pedindo para morrer. Mesmo sem uma reforma eleitoral imediata, já será uma eleição diferente. Não vai mais ter aquela história de dar um jeitinho - diz Eunício.

Já o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), e a senadora Patrícia Gomes (PSB-CE) temem que os crimes registrados nas últimas campanhas se repitam.

- O grande risco é repetir mais do mesmo. A raiz da crise é o padrão de financiamento das campanhas. A essência da reforma que aprovamos no Senado era cortar gastos e dar transparência à prestação de contas, além de ampliar a punição dos infratores - afirma Mercadante.

Skaf defende campanhas mais baratas

Odebrecht fará reunião para analisar doações em 2006

BRASÍLIA. Empresários, representantes de entidades de classe e dirigentes de grandes empresas admitem que haverá uma resistência entre as companhias que tradicionalmente colaboraram com campanhas eleitorais. E o motivo é o escândalo investigado pelas três CPIs no Congresso Nacional.

Embora reconheça que não há mais tempo para que seja feita a reforma que considera necessária no sistema eleitoral, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, defende que sejam adotadas medidas viáveis para inibir os custos das campanhas. Ele citou como exemplos as produções na televisão, as realizações de showmícios com artistas e o uso de publicidade em painéis que acabam privilegiando os candidatos que têm maior poder econômico:

- Tudo isso, ao criar a necessidade de muito dinheiro, resulta, em alguns casos, numa inaceitável e injustificada corrupção, como se tem visto nas denúncias que estão gerando a atual crise política.

Skaf: quando há crise, menos doação é normal

O empresário acha importante a participação das empresas no processo político, mas admite que os doadores podem se sentir inibidos no ano que vem:

- Quanto a fazer doações legalmente às campanhas políticas, essa é uma posição de cada empresário, cada empresa, em cada época. Obviamente, quando acontecem crises como a que estamos vivendo, esse cenário acaba causando uma natural retração nesse tipo de contribuição.

O diretor de relações institucionais da Construtora Odebrecht, Roberto Dias, afirma que o assunto está sendo analisado por todas as empresas que fazem doações para campanhas eleitorais:

- Isso é o tipo do assunto que está para ser analisado por várias empresas. Na Odebrecht, vai ser marcada uma reunião para analisar esse aspecto internamente.

O presidente da Confederação Nacional do Transporte, Clésio Andrade, que já foi sócio de Marcos Valério, responsável pelos repasses aos aliados do governo, acredita que o problema no episódio que está sendo investigado está nas doações ilegais.

- Os setores que legalmente podem doar deveriam doar oficialmente. Não há por que doar em caixa dois. Nossa recomendação é sempre no sentido de ajudar legalmente. Aqueles que são concessionários do serviço público é que não podem doar - disse Clésio Andrade.