Título: Programa não impede expansão de comunidades
Autor: Dimmi Amora/Maiá Menezes
Fonte: O Globo, 09/10/2005, Rio, p. 19 a 21

Inspeção do TCM constata que, por falta de fiscalização, pequenas favelas beneficiadas pelo Bairrinho continuaram a crescer

O programa Bairrinho, criado pela Secretaria municipal de Habitação (SMH) para urbanizar favelas de pequeno porte (com até 500 domicílios) e conter o seu crescimento, não vem conseguindo cumprir seus objetivos. Das 26 comunidades que passaram por obras desde 1997, em parte financiadas a fundo perdido pela União Européia (UE), pelo menos 15 (57,6%) crescem por falta de fiscalização da prefeitura, conforme concluiu inspeção especial feita pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).

Segundo o TCM, apesar de em muito casos as obras não terem terminado por falta de verbas, acabaram atraindo mais moradores para as comunidades. O problema se agrava porque, de acordo com o TCM, das 26 favelas, em apenas duas - Tijuaçu (Alto da Boa Vista) e Vila Canoas (São Conrado) - foram criados Postos de Orientação Urbanística e Social (Pousos) para monitorar novas construções nas áreas.

O relatório do TCM chama de frágil o controle do crescimento. Isso ocorre porque, segundo o tribunal, como as obras de urbanização se transformaram no principal foco do programa da SMH, há o risco de as comunidades virarem grandes favelas. "A falta de mecanismos de controle (....) pode ser considerado como um incentivo a essas ocupações (...) A ausência de controle (...) tende a gerar demanda por programas de maior porte (....)", escreveram os fiscais.

Procurada durante dois dias por telefone e por e--mail, a secretária de Habitação, Solange Amaral, não se manifestou sobre o relatório. Em abril, quando o documento foi votado em plenário, o TCM fez 25 recomendações e determinações à SMH para modificar o programa e corrigir falhas. Até a sexta-feira, não havia recebido qualquer resposta.

Líderes comunitários dão razão ao TCM. No Morro da Babilônia (Leme), havia 37 casas para serem removidas em abril de 2003, quando as obras começaram. Todas ficavam em área de preservação ambiental (APA).

- A prefeitura demarcou os eco-limites, mas não instalou as cercas. Hoje, já são 86 casas. Só posso tentar evitar ocupações na conversa. Mas nem sempre as pessoas atendem aos pedidos. Quem tem poder de fiscalizar é a prefeitura - disse Isaías Bruno, presidente da Associação de Moradores da Babilônia.

A situação não é diferente no Morro do Chapéu Mangueira (Leme), onde o projeto também ficou incompleto. Nos últimos meses, cerca de dez barracos foram construídos num terreno particular invadido na Ladeira Ari Barroso.

A implantação de um Pouso era prevista na Vila Parque da Cidade (Gávea). Mas, como confirmou o TCM, ficou no papel. Bem como a creche e um Centro Municipal de Assistência Social (Cemasi) previstos no projeto original.

- A prefeitura alega falta de verbas para concluir as obras - explicou o líder comunitário Waldir Cavalcante.

A Associação de Moradores da Vila União da Paz (Padre Miguel) estima que o número de casas na favela tenha passado de 900 para 1.600 (77%) desde as obras, feitas em 2001, que também ficaram incompletas. O líder comunitário Antônio Moraes de Souza diz que faz o que pode, pois a prefeitura não fiscaliza a comunidade:

- A gente impede que construam no meio da rua. Mas, do muro para dentro, quem manda é o morador. Muitos decidiram construir mais de uma casa em cada lote - disse.

Na Tijuquinha (Barra da Tijuca), o controle também é feito pela associação de moradores. O líder comunitário Mauro Gonçalves Vieira, porém, admite dificuldades para evitar a expansão vertical.

Para Sérgio Magalhães, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e ex-secretário municipal de Habitação, a expansão das pequenas favelas revela a descaracterização do projeto:

- A concepção do programa previa a criação de mecanismos de controle desde o início das obras - disse.

Sérgio acrescentou que a responsabilidade pela fiscalização não pode ser dos líderes comunitários:

- O controle urbanístico só se faz com o poder público presente nas comunidades.

Já o coordenador-executivo da Fundação Bento Rubião, Ricardo Gouveia, diz que não se pode esperar que apenas as obras de urbanização contenham as favelas:

- Mesmo a fiscalização só terá sucesso se articulada com um programa de regularização fundiária que formalize a posse dos imóveis - disse.

O relatório do TCM também alerta para a falta de programas complementares. "A opção de priorizar a urbanização de comunidades carentes em detrimento das demais políticas habitacionais (...) se constitui em perigosa herança deixada para as gerações atual e futura, dada a carência de implementação, concomitante, de contenção efetiva de crescimento, de programas sociais (....) Finalmente, deve ser considerada a adoção de outras políticas e formas de assentamento, visto que algumas dessas comunidades dificilmente assumirão características de bairro para se integrarem à cidade formal (...)", conclui o relatório.

O Bairrinho prevê gastos de R$36 milhões na urbanização de 44 favelas - 18 ainda estão em fase de projetos ou em licitação - onde vivem 62 mil pessoas. Os recursos são da prefeitura, da União Européia e da Caixa Econômica Federal.

"O controle urbanístico só se faz com o poder público presente nas comunidades"

SÉRGIO MAGALHÃES

Ex-secretário municipal de Habitação

"Só posso tentar evitar ocupações na conversa. Quem tem poder de fiscalizar é a prefeitura"

ISAÍAS BRUNO

Líder comunitário do Morro da Babilônia