Título: Favelas também estão crescendo horizontalmente
Autor: Dimmi Amora/Maiá Menezes
Fonte: O Globo, 09/10/2005, Rio, p. 19 a 21

Em 10 anos, será formado um complexo integrado por Vidigal, Rocinha, Vila Parque da Cidade e Chácara do Céu

Para além do adensamento vertical, quatro favelas do entorno do Morro Dois Irmãos avançam horizontalmente e podem vir a formar um complexo, atestam especialistas. Gerente de operações do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH) e responsável pela urbanização de parte da Maré nos anos 80, o engenheiro e arquiteto Edgard Amaral fez projeções de crescimento de Rocinha e Vidigal. A primeira, mantida a expansão que Amaral verificou nos últimos anos, em breve se fundirá à Vila Parque da Cidade. Um encontro com o Vidigal e a vizinha Chácara do Céu poderia se dar em menos de dez anos.

- Considero os eco-limites da prefeitura uma solução interessante para conter o desmatamento e o avanço das favelas. Mesmo assim, as fotos revelam que elas continuam a se expandir. Declarações como a do prefeito Cesar Maia, que disse não se opor a espigões em favelas, são o salvo-conduto para a expansão vertical e horizontal, já que dão a noção de descontrole. Além de não criar programas de habitação, o prefeito estimula a ilegalidade - analisa Amaral, que desenvolve pesquisas sobre contenção e reformulação estética de favelas para a inserção na sociedade formal.

Especialista critica falta de política habitacional

Na avaliação de Luiz Cesar de Queiroz, professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, (Ippur) da UFRJ, as quatro favelas "experimentam um acelerado crescimento vertical, mas também uma expansão horizontal". Como já há pontos de contato entre duas delas em cada pólo - Chácara do Céu e Vidigal de um lado e Rocinha e Vila Parque da Cidade de outro - a união entre as maiores configuraria um Complexo do Dois Irmãos. O professor Queiroz não poupa críticas à prefeitura, à qual acusa de "tolerante com todas as formas de ocupação irregular nesta cidade":

- Hoje a expansão das favelas não se deve à imigração, como outrora. O problema é a inexistência de política habitacional. Não há regularização fundiária, com emissão de títulos de propriedade, ou mesmo remoções pontuais das áreas de risco para novas regiões urbanizadas. Falta ainda um sistema de transporte para atender às populações em novas áreas de urbanização.

Renê Melo, diretor da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, concorda:

- É injusto tratar o habitante da favela como algoz. Somos tão vítimas quanto quem mora no asfalto. Não há política pública de habitação, cada um se vira como pode.

Enquanto segue o debate, o deputado e engenheiro Luiz Paulo Corrêa da Rocha, da Comissão de Obras da Alerj, analisou imagens de satélite e concluiu não ser possível o encontro de Rocinha e Vidigal pelo alto, dado o paredão íngreme do Dois Irmãos. Mas ele poderia se dar por zonas de topografia mais suaves: uma em São Conrado e outra no Leblon e na Gávea, pela qual, numa hipótese de aceleração do processo de expansão, a Chácara do Céu poderia se unir por uma extensa zona pública de mata ao Parque da Cidade.

- Vidigal e Chácara do Céu estão em vias de se fundir. Parque da Cidade e Rocinha têm entre si condomínios de classe média e uma área de mata, que pode vir a ser invadida. Pelo alto as duas maiores não podem se encontrar, mas nas zonas mais baixas não há impedimentos geológicos - constatou o deputado, depois de analisar as imagens.

O advogado Conrado Henrique Niemeyer, procurador da família dona da área em São Conrado a que o deputado se refere, conta que há pelo menos três tentativas de invasão por mês. Ele paga a 12 seguranças para cuidar dos três terrenos que somam 600 mil metros quadrados, e já há uma zona de ocupação irregular permanente:

- A prefeitura não quer desapropriar os terrenos nem nos permite utilizá-los comercialmente. Sem uso comercial, não podemos manter a segurança indefinidamente. E se sairmos não tenho dúvida de que, em poucos anos, Rocinha e Vidigal se fundirão por São Conrado.

Instituto da prefeitura diz que avalia a situação

Procurado durante toda a semana pelo GLOBO, o Instituto Pereira Passos, da Secretaria municipal de Urbanismo, que monitora o crescimento da cidade, limitou-se a enviar uma nota, em que diz avaliar a evolução da ocupação dessas áreas. Na comparação de duas fotos aéreas, de 1999 e 2004, da região de Rocinha, Vidigal e Parque da Cidade, "verificou-se que não houve crescimento horizontal". "Pode-se concluir", acrescenta a nota, "que a partir de 2001, com os eco-limites, ocorreu o controle da ocupação (...) e que não existe a menor possibilidade de expansão que dê margem para a aproximação entre elas".

Edgard Amaral é menos otimista:

- Não se pode acreditar que a situação esteja sob controle e relaxar. Um descuido, e a expansão ocorre muito rapidamente, a experiência ensina. O trabalho atual de controle e monitoramento não é o ideal. A segurança da população que vive e constrói em áreas de risco e a beleza do Rio estão em jogo.

OPINIÕES SOBRE O CRESCIMENTO DAS FAVELAS na página 22