Título: A força do voto da favela
Autor: Dimmi Amora/Maiá Menezes
Fonte: O Globo, 09/10/2005, Rio, p. 19 a 21

Vereadores com base nas comunidades são contra mudanças nos critérios de remoção

Por trás do impasse entre a Câmara de Vereadores do Rio e o prefeito Cesar Maia sobre mudanças nos critérios de remoção das favelas há um forte interlocutor: o eleitorado presente nessas comunidades, que hoje corresponde a 18,5% dos eleitores da cidade. Na Câmara, dos 26 vereadores que, em consulta feita pelo GLOBO, se disseram contra a remoção, 20 têm base eleitoral em regiões carentes. Além dos 26 contrários, entre os 42 vereadores ouvidos pelos repórteres quatro defenderam mais radicalmente as remoções e 12 enumeraram exigências para a ampliação dos critérios de transferência dos moradores. Oito não foram encontrados.

Com o mapa eleitoral da cidade na ponta do lápis, o prefeito afirma ter tido mais de um terço dos votos nas favelas, nas últimas eleições. Cesar Maia perdeu em apenas uma das 97 zonas eleitorais: na Mangueira. Logo depois de eleito para seu terceiro mandato, ele prometeu dar prioridade aos projetos urbanísticos e sociais nas favelas, com o argumento de que o percentual de votos nessas áreas foi bem abaixo do que obteve nas regiões urbanizadas (55%). Apesar dos cálculos, o prefeito nega que tenha preocupações eleitorais:

- Só voltarei a ser candidato em 2010, a senador - disse.

O prefeito diz que está trabalhando em projetos para acabar com o que chama de demagogia em relação ao tratamento das favelas. Cesar também nega ter mudado o discurso de ordem urbana que marcou suas primeiras administrações. Segundo ele, a política de ordem continua, mas sem alarde:

- Nada mudou. Mudou apenas o uso do instrumento musical. Talvez pela idade. Larguei o trombone e estou usando um surdo. Sei que as coisas feitas caem no esquecimento anos depois.

Faferj reclama que não foi ouvida

Dados do instituto de pesquisa GPP, que trabalha para o prefeito, mostram que o eleitorado de favelas no Rio é de 18,5% em relação ao eleitorado da cidade. Os números do IBGE, de 2000, mostram que a proporção entre moradores dessas comunidades e residentes de áreas urbanizadas é parecida: 18,9%. Nas pesquisas, o perfil do voto dos moradores nas eleições majoritárias é variável. Moradores de favelas urbanizadas votam de forma diferente dos que ainda não receberam o benefício. As favelas menores também têm voto diferente e em todas elas há forte influência evangélica.

- É um voto muito eclético e, no caso dos vereadores, tende a ser concentrado - contou Francisco Eduardo Guimarães, presidente do GPP.

O vice-presidente da Federação das Associações de Moradores do Rio (Faferj), José Nerson de Oliveira, alerta que, apesar da grande quantidade de votos nas favelas, os moradores não se sentem representados. Segundo ele, políticos usam os locais como base eleitoral, mas desarticulam lideranças com a política assistencialista. Ele lembra que, no atual debate, nenhum vereador procurou a federação para perguntar o que eles pensam.

- Nós vamos à Câmara para informar que somos contra qualquer tipo de mudança na Lei Orgânica. Se tiver de retirar, que cumpra-se a lei, removendo as pessoas para áreas até 500 metros - disse Nerson.

O cientista político Geraldo Thadeu Monteiro, sócio do instituto de pesquisas IBPS, lembra que o poder público tem dificuldade para encontrar interlocutores dentro das favelas para saber o que realmente querem os moradores.

- Como o estado não está presente, tudo cresce livremente. Minha preocupação é que a falta de interlocutores causa um imobilismo e não há nenhuma intervenção contra o crescimento - afirmou.

O cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, acredita que a discussão não prosperará na Câmara por causa da preocupação eleitoral:

- Os vereadores, por mais que digam que aprovam, teriam o ônus de estabelecer a política de remoção, porque bate na base eleitoral deles. O preço é muito alto: é o voto na próxima eleição.

Dono de 15 mil votos no Complexo da Coréia, em Santíssimo, o vereador Argemiro Pimentel (PMDB) mora há trinta anos na favela e admite que há uma cobrança de seu eleitorado para que defenda a comunidade:

- O prefeito tem que transformar as favelas em bairro e legalizar os loteamentos clandestinos. Isso sim!

O vereador Jorge Babu (sem partido) é ainda mais radical na defesa de sua região. Eleito, segundo ele, com 70% de seus votos em Santa Cruz- onde há 219 favelas cadastradas -, Babu teme que a Zona Oeste seja usada para assentar moradores removidos de favelas da Zona Sul:

- Eles podem querer acabar com a Rocinha e transportar os moradores daquele local nobre pra cá.

O vereador Nadinho de Rio das Pedras (PFL) recebeu da comunidade, segundo ele, 89% dos 34.674 votos que obteve nas últimas eleições. E se apresenta como um defensor da região na Câmara:

- Sou morador de uma favela e sou contra a política de remoção. Não dá para culpar a população que mora em favela por décadas de descaso.

Com um perfil cada vez mais distrital, os vereadores, de acordo com a historiadora Marly Silva da Motta, do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, estão preferindo pleitear benesses para suas regiões do que discutir leis de interesse coletivo da cidade.

Vereador dispensa voto das favelas

Do outro lado da trincheira, o vereador Carlos Bolsonaro (PFL) garante abrir mão do voto popular. Mas acena para seu eleitorado conservador ao defender a retirada da população carente de áreas nobres:

- Não tenho eleitores em regiões carentes. Nunca quis entrar nessas áreas. A grande maioria dos vereadores é eleita por essas comunidades e a remoção para eles não interessa porque atrapalha a política.

Primeira vice-presidente da Câmara, Leila do Flamengo (PFL) também defende as remoções. Ela vai apresentar um projeto para criar bairros populares, num modelo semelhante ao dos conjuntos habitacionais. Segundo ela, favelas não precisam ser removidas para áreas distantes:

- Eu nem tenho votos nessas áreas, mas luto por elas. Acho que temos que defender os direitos deles de morar dignamente. O problema é que, onde surge uma invasão, entra um político para defender a permanência.

O vereador Stepan Nercessian (PPS) reclama que o debate está muito focado nas favelas da Zona Sul, onde há interesses de imobiliárias. Para ele, que diz que teve votos em todas as classes, o debate das favelas deve ser tratado dentro do Plano Diretor da cidade, onde seja contemplada a inclusão delas nos bairros:

- Acho que podemos discutir isso aqui. Moro na Barra mas sou vereador da cidade.

A vereadora Aspásia Camargo (PV), que defende a criação de mecanismos que freiem o crescimento das favelas, ressalta que a preocupação dos vereadores é também com os eleitores que querem atrair:

- Não dá para qualificar a posição do vereador apenas pelos votos que ele conquistou, mas pelo que ele quer conquistar.

ENSAIO FOTOGRÁFICO SOBRE FAVELAS DIANTE DE CARTÕES-POSTAIS na página 20