Título: BRASIL TEM DE ENFRENTAR INFORMALIDADE E RACISMO, DIZ REPRESENTANTE DA ONU
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 10/10/2005, Economia, p. 14

Carlos Lopes, de saída do país: Constituição é rígida e recursos, mal distribuídos

BRASÍLIA. Nascido na Guiné-Bissau, o representante da ONU e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil, Carlos Lopes, deixa o país para assumir a área política das Nações Unidas, em Nova York, no fim do mês. Ele admira os programas sociais do governo, mas adverte que o país não avança nos indicadores por não resolver a rigidez e a complexidade da Constituição, a má distribuição de recursos públicos, a informalidade e o racismo.

Como foram estes dois anos e meio de trabalho no Brasil?

CARLOS LOPES: Quando cheguei, vi que os nomes do Pnud e das Nações Unidas estavam muito associados ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Meu desafio era fazer com que os objetivos do milênio fossem tão conhecidos quanto o IDH. Não sei se chegamos lá, mas foi dado um passo enorme. Outra coisa importante é que minha chegada coincidiu com a ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder. Ganharam força os debates sobre desigualdade e segurança, por exemplo.

Quando vemos indicadores como o IDH e o crescimento econômico frente a outros países, dá a impressão de que o Brasil está estagnado. O senhor concorda com isso?

LOPES: Depende do que se fala. Em termos macroeconômicos, há sempre boas notícias do Brasil ultimamente. No entanto, quando comparamos o Brasil com outros países emergentes, vê-se que a performance não é assim tão espetacular.

Por que o país não consegue deslanchar?

LOPES: O Brasil tem quatro grandes problemas estruturais difíceis de ultrapassar e que precisam de um compromisso de muita gente, de partidos, de instituições, da elite, da classe média. Não é algo que pode ser feito apenas pelo presidente da República. O primeiro grande problema tem a ver com a necessidade de uma reforma constitucional. A Constituição de 1988 tem seu valor histórico, mas é extensa e engessa muitas coisas. Não permite agilidade para qualquer tipo de reforma. Todas as reformas exigem maioria qualificada e a aprovação de uma emenda constitucional é um processo complicadíssimo. O segundo grande problema tem a ver com a distribuição de recursos públicos. O maior exemplo é o da seguridade social: um conjunto pequeno de pessoas recebe o grosso.

A política de subsídios fiscais também tem a ver com essa avaliação?

LOPES: O gasto público no Brasil é improdutivo, há grande desperdício. Uma das vias desse desperdício consiste no pacto federativo, que fragmenta as políticas públicas. Além disso, há uma enorme concentração de subsídios no setor financeiro. São mecanismos financeiros de subsídios indiretos, como o BNDES, que poderiam atingir um universo maior de pessoas. A terceira via é a informalidade. A fiscalização se concentra no setor formal, quando sabemos que boa parte da economia é informal. Já o quarto problema, que é difícil dizer para os brasileiros, é o do racismo.

Como o racismo se manifesta no Brasil?

LOPES: Quando se analisa a distribuição de recursos em termos raciais, desde que as estatísticas permitam essa desagregação, chega-se facilmente à conclusão de que há uma diferença entre brancos e negros. Se há melhora social no país, a situação dos brancos melhora mais. Quanto menos negros você tem em determinada zona, melhores os indicadores.

Há como esperar uma solução para esses problemas estruturais nos próximos anos?

LOPES: Se pegarmos os indicadores e objetivos de desenvolvimento do milênio, vamos ver que na maior parte serão atingidos até 2015. São exemplos a redução da mortalidade infantil, a taxa de escolarização, a cobertura das doenças endêmicas e a melhora no saneamento básico. Só que a distribuição desse progresso continua desigual. Alguns estados, como Santa Catarina, estão nos níveis da Europa.

'Quando o país ganha, Hemisfério Sul se beneficia'

Como está o Brasil perto de outras grandes nações em desenvolvimento?

CARLOS LOPES: No gasto social, se compararmos o Brasil à Índia e à China para o mesmo investimento, estes dois países conseguem três a quatro vezes mais resultados em áreas como educação e saúde. Aqui há muito desperdício.

Em sua política externa, o Brasil deu o primeiro passo na busca da integração Sul-Sul. Qual a sua opinião?

LOPES: A cooperação Sul-Sul deve ser saudada. Dos 23 cargos que o Brasil pleiteou na Organização Mundial do Comércio (OMC), ganhou 18. E quando o Brasil ganha, todo o Hemisfério Sul se beneficia. Essa força de negociação do Sul estava um pouco dispersa e os brasileiros conseguiram liderar as negociações comerciais em nome dos países em desenvolvimento. Agora faz o mesmo na área de investimentos. Mas o desafio principal continua sendo o de ciência e tecnologia, área que ainda não entrou na agenda. Nesse caso, provavelmente o líder será a China ou a Índia. De qualquer forma, essa aliança é importante para mudar o equilíbrio das relações internacionais.

O Brasil quer um espaço maior no Conselho de Segurança das Nações Unidas, um dos setores em que o senhor passará a trabalhar. Há futuro nessa empreitada?

LOPES: Na minha nova função vou lidar com a segurança, a manutenção da paz, o desarmamento. O Brasil é bastante ativo no exterior: tem grande liderança no combate à fome e à pobreza, participa com empenho da campanha pelo desarmamento, está interessado nos acordos internacionais sobre proliferação nuclear e, conseqüentemente, tem ambições legítimas ao se candidatar a uma vaga permanente no Conselho de Segurança. (E.O.)

Legenda da foto: LOPES: "SE há melhora social no país, a situação dos brancos melhora mais"