Título: Favelas emergentes
Autor: Luiz Ernesto Magalhães/Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 11/10/2005, Rio, p. 14

De 91 a 2000, número de moradores em comunidades cresceu 123,5% na região da Barra

As favelas estão vencendo a cidade formal na era Cesar Maia na corrida pela ocupação da Barra, do Recreio e arredores, áreas de maior expansão imobiliária do Rio. Segundo o IBGE, em quase uma década, de 1991 a 2000, a população de 29 favelas da região (que inclui ainda Itanhangá, Vargem Grande e Vargem Pequena) aumentou 123,5%. Enquanto isso, no asfalto, o total de habitantes cresceu bem menos: 69,8% no mesmo período. Apesar de os órgãos oficiais ainda não terem registrado o fenômeno, o quadro de favelização estaria ainda pior. A falta de fiscalização e a omissão do poder público, segundo as associações de moradores, já seriam responsáveis hoje por um total 66 favelas ou áreas de ocupação irregular, o que representa o dobro dos últimos dados oficiais divulgados.

Nesse período, Cesar exerceu três mandatos (1993-1996, 2001-2004 e o atual). Já entre 1997 e 2000, a administração municipal esteve nas mãos de um aliado político do prefeito, Luiz Paulo Conde, com quem ele rompeu apenas no fim da gestão. Não é à toa, portanto, que especialistas e líderes comunitários apontam como principais motivos da expansão das favelas a falta de controle da prefeitura, em especial sobre a ocupação da faixa marginal de proteção de rios e lagoas, e o fracasso de programas habitacionais para a população de baixa renda.

- A expansão imobiliária rumo à Barra levou a um aumento de demanda por mão-de-obra (como pedreiros e empregadas domésticas) para a região. Seria necessário construir moradias populares, mas infelizmente os projetos não foram bem-sucedidos - disse o professor Gerônimo Leitão, da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF.

No Recreio, onde o número de moradores de favelas chegava a 5.387 em 2000, há comunidades em áreas nobres. Em 2004, a Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público entrou na Justiça pedindo a demolição de 114 casas construídas no meio de ruas no Jardim Recreio, a uma quadra da Praia do Pontal. Uma das residências já tem quatro andares.

- O município não exerceu seu poder de fiscalização. A única solução agora é fazer a demolição e reassentar os moradores - criticou a promotora Ana Paula Petra.

Imóveis vizinhos a favela se desvalorizam até 30%

Um dos que podem ser retirados é o ambulante Francisco de Souza e Lima, de 54 anos, que mora numa casa de três andares no Jardim Recreio desde 1987. Francisco diz que nunca foi incomodado pela prefeitura:

- Morava com cinco filhos num barraco praticamente dentro d'água no Parque Chico Mendes. Quando me mudei, como ninguém falou nada, construí e até ampliei a minha casa.

Seis favelas do Recreio cresceram tanto que os moradores se referem a elas como Complexo do Terreirão. Laudimiro Cavalcanti, delegado da sub-região da Barra do Conselho Regional de Corretores Imobiliários (Creci), confirma a desvalorização de até 30% dos imóveis vizinhos ao Terreirão:

- A expansão da favela é impressionante.

Cesar, que está viajando, não se pronunciou sobre os problemas na região. A Secretaria municipal de Urbanismo divulgou um balanço de suas ações de repressão desde 2003: 115 demolições, a maioria no Recreio (81). Mas as invasões continuam. Desde agosto, 50 famílias, amparadas por uma liminar, moram em barracos no acesso ao terreno onde funcionava o Parque Aquático Wet'n'Wild, em Vargem Grande.

- Boa parte dos moradores veio fugindo da violência do tráfico de outras áreas. Agora temos casos de invasões organizadas por políticos - diz o presidente da associação de moradores, Carlos Nascimento.

Já o presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, cita outro motivo para preocupação: o impacto ambiental do crescimento desordenado de favelas de Jacarepaguá, como Rio das Pedras e a Cidade de Deus. Dados do IBGE mostram que, entre 1991 e 2000, o número de moradores de favelas em Jacarepaguá passou de 58,2 mil para 113,2 mil.

- O que acontece na Barra não é diferente do resto da cidade. Não há uma política habitacional para conter as favelas - disse.

Opinião semelhante tem Rodrigo Dantas, presidente do Núcleo das Associações de Moradores Organizadas do Recreio e Adjacências:

- A prefeitura permite a construção sem licença. Depois que as pessoas estão morando há 15 anos surgem propostas de demolição. Somos contra.

Segundo ele, sem a interferência da prefeitura, a comunidade tem negociado diretamente com particulares. Cerca de 60 famílias da Favela Papo Amarelo, no Recreio, decidem seu futuro com uma construtora que pretende erguer no local um condomínio com dez prédios. Em troca, levará os moradores para um terreno próximo.

No Itanhangá, estão as três maiores favelas da região por número de domicílios. Moradora da Areinha há 18 anos, a doméstica Maria da Conceição Reis, de 37 anos, vivia antes no canteiro de obras do condomínio Maramar:

- Eu estava grávida de nove meses quando nos mudamos. Mas não invadimos nada. Compramos esse terreno e fizemos nossa casa.

O maior crescimento na década de 90 foi observado em Vargem Pequena: 100% (de duas favelas em 1991 para quatro em 2000). O presidente da associação de moradores, Luis Octávio Falcão, dá sua explicação para as invasões não pararem.

- As pessoas vivem em condições subumanas. Alguns locais são inviáveis de se habitar por serem inundáveis.

Em conjunto erguido por Cesar, faltam projetos sociais

O nome oficial é Conjunto Bandeirantes, mas as vilas e construções geminadas que abrigam mais de 15 mil pessoas em Vargem Pequena são conhecidas como Conjunto Cesar Maia. Construído pelo prefeito em 1996 para receber desabrigados de uma enchente na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, e ampliado em 2000, o conjunto é hoje um misto de erros e acertos da política habitacional da última década. Enquanto a infra-estrutura à disposição dos moradores é superior à das favelas de onde vieram, a falta de projetos sociais perpetua a carência.

- Aqui é bem melhor que Rio das Pedras. Minha mulher morava num barraco de madeira perto do valão - diz o motorista Rodrigo Gabri de Paiva, de 27 anos.

Ele chegou ao conjunto em 2000, quando foram inauguradas 800 unidades para receber moradores removidos de Rio das Pedras. O primeiro bloco do conjunto, denominado Bandeirantes 1, havia sido entregue em 1996 com 792 unidades. Com o passar do tempo, as construções ilegais proliferaram e hoje nem a associação de moradores sabe ao certo quantas casas existem. Nas ruas principais, contudo, não há imóveis em situação irregular.

A infra-estrutura é elogiada pelos moradores e inclui construções de alvenaria, vias largas e pavimentadas, redes de água, luz e esgoto, iluminação pública, creches, escola e posto da Guarda Municipal. Apesar disso, há problemas. Com o aumento do número de moradores, a rede de esgoto não suportou a carga e parte dos dejetos vai parar nas galerias de águas pluviais, que estão sem as tampas. Além disso, falta manutenção na iluminação pública e alguns postes estão com lâmpadas queimadas. Mas é a ausência de projetos sociais que mais preocupa a presidente da associação, Veluza Bispo:

- Precisamos de cursos técnicos e profissionalizantes, um banco de empregos e programa de alfabetização. Os jovens não têm emprego e os mais velhos não têm tempo de se alfabetizar - reclama.

Segundo cálculos da associação, mais de 20% dos moradores não têm emprego. A baixa renda é uma das ameaças ao projeto. Com rendimentos que variam de R$100 a R$200 por mês, a catadora Sandra Regina da Silva Carneiro, de 44 anos, mãe de oito filhos, acumula dívidas. O IPTU e a taxa de coleta de lixo não são pagos desde 2001 e já somam R$707. Já as contas de luz chegam a R$800.

- Na Cidade de Deus eu não tinha qualquer despesa. Vou ter que deixar que cortem a luz - lamenta.

INCLUI QUADRO: OS NÚMEROS DO CRESCIMENTO DE FAVELAS