Título: FEBRE AFTOSA VOLTA AO BRASIL
Autor: Eliane Oliveira/Paulo Yafusso/Ronaldo D"Ercole/Pat
Fonte: O Globo, 11/10/2005, Economia, p. 21

Governo descobre foco em Mato Grosso do Sul e anuncia sacrifício de 582 animais

O Ministério da Agricultura informou ontem que foi diagnosticada febre aftosa em 153 das 582 cabeças de gado da Fazenda Vezozzo, no município de Eldorado, em Mato Grosso do Sul. A notícia caiu como uma bomba entre governo e exportadores brasileiros de carne bovina, uma vez que o estado é o segundo maior exportador do produto no país - e o Brasil, líder em vendas. O Paraguai já adotou medidas para evitar a contaminação de seu rebanho e vários países podem impor embargo ao Brasil, afetando um negócio que só este ano já rende US$2,086 bilhões à balança comercial. Por muito menos, em 2004 as vendas do Brasil foram boicotadas por diversos compradores devido a focos no Amazonas e no Pará, estados que não exportam carne bovina. Rússia, Holanda, Egito e Reino Unido são os principais compradores da carne brasileira.

A mais recente suspeita de que havia animais contaminados com a doença surgiu em 30 de setembro. A fazenda foi interditada no dia 1º de outubro, e também um raio de 25 quilômetros. No domingo passado, saiu o laudo oficial confirmando os casos de aftosa. Desde 1999, não havia sido registrada uma única ocorrência em Mato Grosso do Sul, que está atrás apenas de São Paulo no ranking de exportação. É o primeiro caso de febre aftosa no Brasil em um ano.

Falta de recursos teria favorecido foco

Segundo o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Gabriel Maciel, medidas sanitárias estão sendo adotadas, inclusive o sacrifício de todos os 582 animais da propriedade. O governo também informou imediatamente aos organismos internacionais, entre os quais a Organização Internacional de Epizootíases (OIE) e o Centro Panamericano de Aftosa, sobre o foco em Mato Grosso do Sul, até então um estado considerado livre da doença com vacinação, e países fronteiriços e blocos econômicos com os quais negocia.

Hoje, Maciel se reúne com representantes dos governos de São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Paraná para discutir ações de combate ao foco, como o fechamento da fronteira com o estado atingido pela doença. A Secretaria de Agricultura de São Paulo proibiu ontem a entrada no estado de bovinos, carne processada e outros produtos de origem animal (ovinos e caprinos) oriundos de cinco cidades de Mato Grosso do Sul.

Maciel admitiu que o surgimento do foco pode ter sido influenciado pelo baixo investimento em defesa sanitária animal no estado. Ele disse que Mato Grosso do Sul ainda não recebeu um real sequer da verba do governo federal estabelecida para esse fim em janeiro deste ano, estimada em R$3,5 milhões. E acrescentou que o Ministério da Agricultura está negociando com o Ministério da Fazenda a liberação imediata de R$35 milhões para defesa sanitária em todo o país.

- É difícil buscar culpados. Não queremos trabalhar com hipóteses. Temos um problema e vamos resolvê-lo - afirmou o secretário.

Maciel lembrou que a meta de exportações de carnes (bovina, suína e de frango) para este ano é de US$8 bilhões, contra US$6,4 bilhões em 2004. De janeiro a setembro de 2005, o país já exportou quase U$6 bilhões.

- Ainda não é possível avaliar o impacto causado pela ocorrência de aftosa. O importante é que todas as medidas sanitárias emergenciais para evitar a disseminação do foco foram adotadas - disse.

Além dos recursos do governo federal, o combate à febre aftosa tem contrapartida estadual e dinheiro do Fundo Emergencial para Eventos Sanitários, constituído por meio de parceria com a iniciativa privada. Quanto ao tempo que a interdição vai durar, Maciel disse que o período pode chegar a até seis meses. Com isso, os frigoríficos localizados nos cinco municípios que fazem parte do raio de interdição estão impedidos de exportar carne bovina. São eles Bom Charque (Iguatemi), Frigorífico Iguatemi (Iguatemi) e Bom Fran (Eldorado).

Para o diretor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Antenor Nogueira, o governo está agindo corretamente ao informar aos organismos competentes a descoberta do novo foco da febre aftosa.

- Agimos com transparência. Precisamos mostrar à comunidade internacional o trabalho que foi feito até agora - afirmou.

O deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), que faz parte da bancada ruralista no Congresso Nacional, enfatizou que o prejuízo potencial para o Brasil, caso o foco da doença não seja debelado rapidamente, pode chegar a US$5,9 bilhões. Caiado explicou que o valor corresponde ao total das exportações de carnes entre janeiro e setembro poderá não mais se repetir daqui para frente. Outro deputado da bancada ruralista, Abelardo Lupion (PFL-PR), chamou o episódio de tragédia anunciada e responsabilizou a área econômica do governo.

A confirmação de foco colocou em alerta as autoridades sanitárias de Mato Grosso do Sul e mobilizou a Defesa Civil Estadual e a Polícia Militar. Além de Eldorado, foram interditados pelos órgãos federal e estadual fazendas localizadas nos municípios de Iguatemi, Itaquiraí, Japorã e Mundo Novo, que respondem por 3% do rebanho estadual, de 24 milhões de cabeças.

O diretor da Agência Estadual de Vigilância Sanitária Animal (Iagro), João Cavallero, disse que mais de cem pessoas, entre técnicos do órgão, da Superintendência Federal de Agricultura, da Defesa Civil e policiais militares, estão atuando em 21 barreiras que foram montadas em várias regiões.

Na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), o foco de febre aftosa em Mato Grosso do Sul levou nervosismo às operações com contratos de boi gordo. Os contratos com entrega em novembro, os mais negociados, foram suspensos, após atingirem o limite de oscilação (no caso, queda) de 3% num único dia.

COLABORARAM Paulo Yafusso, especial para o GLOBO, e Patricia Eloy

(*) Com agências internacionais

Legenda da foto: REBANHO EM Goiás: fronteiras com Mato Grosso do Sul podem ser fechadas