Título: Fome, frio e saques após terremoto na Ásia
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Fonte: O Globo, 11/10/2005, O Mundo, p. 29

Polícia tenta conter sobreviventes com disparos. Desabrigados são 2,5 milhões e mortos podem chegar a 40 mil

MUZAFFARABAD, Paquistão. Caminhões cheios de medicamentos e alimentos começaram a chegar ontem à capital da Cachemira paquistanesa, Muzaffarabad, uma das cidades mais castigadas pelo violento terremoto que atingiu sábado o Sul da Ásia. Mas a ajuda ainda estava longe de atender às necessidades, e a fome levou moradores a atacar alguns caminhões, a revirar escombros em busca de comida e a saquear lojas, enfrentando comerciantes com paus e pedras. O governo paquistanês calculou que 2,5 milhões de pessoas estão desabrigadas. Os mortos são mais de 30 mil e autoridades disseram temer que cheguem a 40 mil.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) disse que metade das vítimas tem menos de 18 anos.

- Nas zonas mais atingidas, perdeu-se uma geração inteira, e as crianças estão entre os mais afetados - disse o general Shaukat Sultan, porta-voz das Forças Armadas paquistanesas.

Segundo a Cruz Vermelha Internacional, mais de 120 mil pessoas - muitas delas crianças - enfrentavam frio intenso e precisavam de ajuda urgente. A maioria dos sobreviventes dormia ao relento, amedrontada com nada menos que 144 tremores secundários. O número de feridos foi calculado em 40 mil. Milhares deles ainda esperavam por ajuda, enfrentando sede, fome e falta de eletricidade. A inexistência de água potável dificultava o atendimento, e autoridades disseram temer epidemias.

A ONU estimou que o terremoto de 7,6 graus na escala Richter atingiu duramente um milhão de pessoas e afetou um total de quatro milhões. Dezenas de milhares de casas foram destruídas, além de escolas e hospitais. Só em Muzaffarabad, 11 mil pessoas morreram. Noventa por cento da cidade foram arrasados pelo mais violento tremor dos últimos cem anos no Sul da Ásia, que castigou também regiões da Índia. O primeiro-ministro da Cachemira paquistanesa, Sikander Hayat Khan, disse que estava governando um cemitério.

- A Cachemira se tornou um cemitério. Passamos os dois primeiros dias cavando, fosse para retirar corpos ou para enterrá-los - afirmou.

Tiros para o alto para conter saqueadores

Em Muzaffarabad, policiais dispararam para o alto para conter saqueadores, mas não conseguiram evitar os saques.

- Estamos sem comer há três dias. As lojas estão fechadas e o governo nada nos dá. Estamos famintos e desesperados - disse um jovem de 20 anos enquanto procurava comida nos escombros de um prédio.

Postos de gasolina e casas abandonadas também foram saqueados, enquanto a prioridade de autoridades continuava sendo o resgate de corpos e sobreviventes, bem como o socorro a feridos num campo de futebol transformado em hospital. Uma menina de 2 anos e sua mãe foram retiradas vivas de escombros.

A ajuda internacional prometida é de centenas de milhões de dólares, mas o socorro demorava a chegar. O acesso a aldeias destruídas é dificultado por deslizamentos de terra e pela destruição de estradas e pontes. Os EUA enviaram oito helicópteros, o que era muito pouco diante das necessidades. Fortalecendo seus laços com um país considerado crucial na guerra contra o terrorismo, Washington ofereceu uma ajuda de US$50 milhões ao Paquistão. O Kuwait anunciou a doação de US$100 milhões.

O Paquistão aceitou ajuda material da vizinha Índia, uma antiga rival. Mas recusou helicópteros e forças militares. A Cachemira é disputada pelos dois países. No lado indiano, calcula-se que duas mil pessoas tenham morrido

"Nas zonas mais atingidas, perdeu-se uma geração inteira, e as crianças estão entre os mais afetados"

SHAUKAT SULTAN

Porta-voz das Forças Armadas paquistanesas

Legenda da foto: MENINO É retirado de escombros em Balakot, após dois dias soterrado