Título: IMPREVIDÊNCIA
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Fonte: O Globo, 12/10/2005, Opinião, p. 6

Da verba de R$3,5 milhões que o governo destinara à defesa sanitária animal em Mato Grosso do Sul ¿ segundo maior exportador de carne bovina do Brasil ¿ nada tinha sido liberado até ontem. É o que torna impossível chamar de fatalidade o surgimento de um foco de febre aftosa no estado. E tira sentido da afirmação de agricultores da região, de que a contaminação foi um ato criminoso. Porque o fato crucial é que existe vacina eficaz contra a febre aftosa.

A pecuária brasileira é uma notável história de sucesso. Há apenas cinco anos o país exportava US$700 milhões; hoje é líder do mercado mundial e vende mais de US$2 bilhões ao exterior. Dada a importância do setor, é inadmissível que ele esteja agora na iminência de um desastre que poderia ter sido contornado. E que tem implicações muito mais graves que os gastos que o teriam evitado.

O problema nunca foi realmente de escassez de recursos, mas de má escolha de prioridades. Se para programas assistencialistas, de óbvio interesse eleitoral, não falta dinheiro, gastos essenciais como este, na defesa sanitária do rebanho, ficam em segundo plano. Este ano, o orçamento inicial para o setor era de R$167 milhões, tendo sido autorizados R$91 milhões, dos quais entretanto só foram realmente liberados R$30 milhões.

Não devem faltar também falhas de gestão. Um exemplo: o Projeto-Piloto de Investimentos (PPI), feito em comum acordo com o Fundo Monetário Internacional para não afetar o necessário superávit primário, destina R$2,9 bilhões para obras de infra-estrutura e modernização. Mas o dinheiro para essas obras, apesar das carências gritantes do país no setor, sai em conta-gotas, graças ao cipoal burocrático: até agora, pouco mais de 10% dos recursos foram aplicados.

Os efeitos do novo surto de aftosa foram imediatos. A Rússia, nosso maior importador, acaba de suspender as compras de Mato Grosso do Sul; o mesmo fizeram outros países. A restrição ainda não atinge toda a produção brasileira, como em 2004, mas as autoridades precisarão agir com extrema presteza e competência para evitar a repetição, agravada, do drama do ano passado. E que no futuro só não tornará a acontecer se o governo dotar sua gestão orçamentária de um mínimo de eficiência e sensatez.