Título: `ELEIÇÃO FOI UM RECADO CLARO DA MILITÂNCIA¿
Autor:
Fonte: O Globo, 13/10/2005, O País, p. 3

`Hegemonia prolongada de um grupo no comando produziu acomodação¿, diz Jaques Wagner

BRASÍLIA. Com o resultado das eleições internas do PT, que deu vitória apertada para o candidato do Campo Majoritário, Ricardo Berzoini (PT-SP), o Palácio do Planalto quebrou o silêncio. O ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, disse ontem que a eleição foi um duro recado dos militantes. Principal articulador político de Lula, Jaques Wagner avalia que a hegemonia produziu descuido dos valores fundamentais do PT. Ele diz que isso também provocou o que chama de ¿acomodação e relaxamento de preceitos morais¿ do partido.

Como o senhor avalia o Processo de Eleição Direta (PED) do PT, que escolheu como novo presidente do partido o deputado Ricardo Berzoini (SP)?

JAQUES WAGNER: O resultado é surpreendente. Dou a minha mão à palmatória. Até porque eu era contra a eleição nesse momento. Cheguei a defender publicamente o seu adiamento. Mas acho que o PED foi uma forma que o militantes encontraram de se expressar no momento da maior crise do partido.

O resultado apertado não seria um recado dos militantes de que o Campo Majoritário saiu enfraquecido do processo eleitoral?

WAGNER: O resultado das urnas mostra um recuo do Campo Majoritário. Isso foi um recado claro dos afiliados. Havia no PT uma hegemonia prolongada de um grupo no comando partidário que produziu uma acomodação. Isso resultou em um descuido dos valores fundamentais do PT. O fim de um comando único mostra que a militância não estava de acordo com o que aconteceu no partido. Nesses anos de comando, a hegemonia partidária não era questionada.

O senhor avalia que foi essa hegemonia prolongada do Campo Majoritário que motivou a atual crise petista com as denúncias de que o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares movimentou um esquema de caixa dois para financiamento do PT e de partidos aliados?

WAGNER: Isso mesmo. Acho que sem o contraditório houve um relaxamento da cúpula partidária com os preceitos morais. Para mim, sempre que se estabelece uma supremacia duradoura de um mesmo agrupamento acaba resultando nessas conseqüências. Por isso, a alternância de poder é o maior valor da democracia. Isso é fundamental.

Como a supremacia do Campo Majoritário por mais de uma década influenciou no desvio de conduta da cúpula petista?

WAGNER: Essa hegemonia durante todos esses anos criou um clima de autoproteção dos dirigentes petistas. Também houve um descuido com os mecanismos de controle. Por isso, acho que a democracia, na sociedade, não pode depender exclusivamente de seus membros. No PT houve um afastamento dos mecanismos de controle interno, que só foram avivados com as denúncias.

As eleições petistas também não demonstram um desencanto da militância com o partido? O PT não estaria numa fase de declínio?

WAGNER: Acho que ao contrário da morte do PT, a crise partidária pode ser o renascimento da legenda. Acho que entramos num novo ciclo. Depois de 25 anos de existência e de ter chegado ao poder, é natural que a legenda enfrente um momento de crise. Isso acontece com todos os partidos do mundo.

Mas muitos militantes, inclusive nomes emblemáticos do PT, já deixaram o partido no intervalo entre o primeiro e o segundo turno das eleições petistas. Isso não mostra um enfraquecimento da legenda?

WAGNER: Não vejo dessa forma. Para mim, o envolvimento da militância foi uma resposta à prostração de alguns. O resultado do pleito foi um recado, uma crítica indireta a aqueles que resolveram sair do PT ao invés de ficar no partido para tentar ajudar nesse renascimento.

O candidato Raul Pont era um duro crítico de pontos importantes do governo como a condução da política econômica. Para o Palácio do Planalto, a vitória de Berzoini foi melhor?

WAGNER: Para mim não seria problema a vitória de Raul Pont. Até porque governo é governo e partido é outra coisa. Para mim é natural que um partido que chega ao poder passe pela confrontação das idéias com a realidade. O Pont já foi prefeito de Porto Alegre e saberia entender isso. Mas os militantes entenderam que uma pessoa com um ponto de inflexão tão duro como Pont não seria ideal para comandar o partido nesse momento.

O senhor fala em renascimento do partido. Como isso pode ser feito com o novo comando partidário?

WAGNER: Acho que todo o processo recente do partido, que enfrentou uma grave crise, vai ajudar o PT a fazer uma reflexão. Certamente, o novo PT será mais cuidadoso em suas ações. Haverá um controle de todos os procedimentos para que não se repitam casos de relaxamentos.

Mas a divisão da nova cúpula petista, sem a hegemonia do Campo Majoritário, não pode prejudicar o PT em tomar futuras decisões, como alianças para a reeleição de Lula?

WAGNER: Para mim, a direção colegiada, mesmo que crie dificuldades, vai ter como conseqüência um resultado melhor de suas decisões. Seremos mais cuidadosos em tudo, inclusive em eventuais alianças. Todos os procedimentos do partido serão mais vigiados. (Gerson Camarotti)