Título: CREDORES DIZEM NÃO À ARGENTINA
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 03/11/2004, Economia, p. 17
Vítimas do calote consideram inadmissível proposta do país para reestruturar dívida
Aoferta de reestruturação da dívida pública argentina anunciada segunda-feira pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna, foi rechaçada publicamente por importantes associações de credores do país. As vítimas do calote argentino, decretado pelo ex-presidente Adolfo Rodríguez Saá (que governou o país durante apenas uma semana, em dezembro de 2001), consideraram inadmissível a proposta divulgada pelo governo Néstor Kirchner, que já foi enviada à Securities and Exchange Commission (SEC, órgão regulador do mercado financeiro americano), nos Estados Unidos, e deverá ser lançada nos mercados internacionais no dia 29.
O total da dívida a ser reestruturada soma US$81,8 bilhões. A Argentina emitirá três novos bônus (Par, Quasi Par e com desconto) com data de 31 dezembro de 2003, que serão trocados por 152 papéis envolvidos no calote. Com a data de emissão dos novos títulos, o país terá de pagar em torno de US$1 bilhão a seus credores após o encerramento das negociações, correspondente aos juros acumulados em 2004. Segundo analistas locais, considerando o valor presente líquido dos bônus argentinos, a redução da dívida oscila entre 70% e 72%.
¿ Na Itália, todos os aposentados rechaçarão a oferta porque continua sendo a mesma de sempre ¿ afirmou Tulio Zembo, representante legal da Associação de Consumidores Bancários da Itália.
Kirchner criticado por pagar a organismos
A maioria dos credores italianos comprou bônus da dívida argentina em bancos locais.
¿ A Argentina deveria oferecer aos organismos internacionais a mesma coisa que oferece aos aposentados. Se isso acontecesse, a proposta seria aceita ¿ enfatizou Zembo.
Uma das principais críticas feitas pelos credores ao governo Kirchner é a decisão de manter a moratória aos credores privados e continuar pagando normalmente os vencimentos da dívida com os organismos internacionais.
¿ A proposta será rejeitada em massa pelos credores porque implica um castigo muito grande para todos ¿ afirmou Horácio Vázquez, da Associação de Prejudicados pela Pesificação e pelo Calote (Adapd, na sigla em espanhol).
Segundo confirmaram fontes ligadas ao grupo, amanhã será realizada uma reunião de credores locais para delinear a estratégia a ser adotada nas próximas semanas.
¿ A ordem que nos deram é dizer não à oferta. Ainda temos a expectativa de conseguir recuperar nosso dinheiro por intermédio da Justiça, dentro ou fora da Argentina ¿ disse a fonte, que não quis se identificar.
Segundo cálculos do Crédit Suisse First Boston, a nova oferta argentina eleva para entre US$29 e US$31,5 o valor que cada investidor irá recuperar por cada US$100 em valor nominal de bônus do país. Os analistas calculavam que na oferta anterior esse valor variava de US$23 a US$25.
Ontem, Kirchner defendeu a oferta:
¿ Estamos trabalhando para resolver o problema do endividamento.
Apesar da atitude adotada pela maioria dos credores privados, o mercado, afirmaram analistas locais, aposta no êxito da operação.
¿ O governo já fechou um acordo com os fundos de pensão, que detêm 17% do total da dívida, e certamente chegará a um entendimento com as empresas de seguro e com os bancos ¿ explicou o economista Rafael Ber, diretor da Argentine Research.
Proposta não inclui juros de três anos
Já o advogado Eugenio Bruno, assessor da Adapd e autor do livro ¿O calote e a reestruturação da dívida¿ (não publicado no Brasil), acredita que podem surgir problemas com credores italianos, alemães e japoneses.
¿ No caso da Itália, por exemplo, é provável que a Comissão de Valores Mobiliários local demore mais tempo para liberar a oferta. Os italianos estão muito irritados com a Argentina ¿ assegurou Bruno.
Segundo ele, a nova oferta não inclui os juros acumulados nos últimos três anos:
¿ O governo está deixando de pagar US$20 bilhões.
De fato, segundo Lavagna, o país só incluiu na proposta juros vencidos antes de dezembro de 2001, que somam US$2,1 bilhões.
A dívida dos países emergentes pode sofrer fortes vendas se os credores argentinos aceitarem a proposta, disseram operadores e analistas. Os administradores de ativos se veriam obrigados a vender outros papéis para comprar a nova dívida argentina. Mas seria um impacto limitado e de curto prazo.