Título: RENÚNCIA É PIZZA?
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 14/10/2005, O País, p. 4

O PT deu uma forcinha aos seus ao prometer legenda em 2006; o Conselho de Ética, mais uns dias de prazo; companheiros e parentes dão o apoio moral. Não se sabe ainda quantos serão, mas a Câmara vive hoje um clima de renúncia ¿ artifício legal que livra a cara do sujeito e permite que volte na próxima eleição. É bom, porém, que não se esqueça: só volta quem o povo quer.

O recurso impetrado ontem por cinco petistas no Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar a Mesa a rever a decisão de mandar os 13 processos para o Conselho sem antes indicar o crime a que cada um responderia parece fadado ao fracasso. A esta altura do campeonato, quando o próprio Supremo já assegurou direito de defesa a esses deputados em etapa anterior do processo, seria interferência indevida numa questão interna de outro poder.

Deputado experientes, os reclamantes devem saber disso. Tudo indica que o recurso ¿ com liminar para que seja examinado até as 18h de segunda-feira ¿ é um primeiro passo a pavimentar a estrada da renúncia. Reforça os argumentos dos que estão se dizendo injustiçados e ajuda a construir um discurso. Os não-petistas do grupo também podem embarcar na mesma canoa. A partir daí, alguns renunciam.

Renunciar, ou sair de fininho quando a coisa aperta, em vez de se defender de peito aberto, é decisão muito pessoal. Renúncias em bloco são raras. Ainda que se trate da mesma investigação, as situações são sempre individuais, seja no plano das acusações, seja nas circunstâncias partidárias e regionais que irão influenciar uma eventual reeleição para quem abrir mão do mandato em troca dos direitos políticos.

Do ponto de vista político, o que é vantajoso para uns pode não ser para outros. Mas os 13 do mensalão, que tiveram seus processos individualizados pela Mesa, não deixarão de fazer parte de um mesmo pacote aos olhos da opinião pública. É por aí que a renúncia de alguns poderá, inclusive, piorar a situação dos colegas, segundo se avaliava ontem na Câmara.

Se petistas como João Paulo Cunha (SP), Paulo Rocha (PA), José Mentor (SP), Professor Luizinho (SP) e Josias Gomes (BA), e mais deputados como José Janene (PP-SP) e José Borba (PMDB-PR) renunciam, restará pouco mais de meia dúzia de pedidos de cassação a serem submetidos ao plenário, incluindo-se aí o de José Dirceu. E será difícil que escapem, ainda que contra uns dois ¿ Pedro Henry (PP) e João Magno (PT), por exemplo ¿ as provas sejam pouco consistentes.

Vão pagar o pato pelos colegas que renunciaram, dizem observadores mais experientes da Casa, considerando que, nessas horas, o que o baixo clero quer é cortar cabeças alheias, seja de quem for, para salvar a própria. Nem madre Tereza de Calcutá escaparia.

Esse quadro só vai ficar claro na segunda-feira. Mas o certo é que renúncia é confissão de culpa e, embora na prática represente uma perda de mandato para o sujeito, tem um certo cheirinho de pizza. É por isso que alguns já apresentam propostas de mudança no regimento estabelecendo que, de qualquer forma, o processo deve prosseguir. Se concluir pela condenação do parlamentar por falta de decoro, devem ser suspensos por oito anos seus direitos políticos ¿ raciocínio, por sinal, usado para condenar o ex-presidente Fernando Collor de Mello no Senado.

É normal que, a cada escândalo que abala o Parlamento, surjam iniciativas de aperfeiçoamento da legislação. Muito já se avançou. Os ritos pelos quais denúncias e acusações são examinadas pela corregedoria e por um Conselho de Ética, por exemplo, foram regulados por ocasião da disputa que encerrou os mandatos de Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho na legislatura passada. Ambos acabaram renunciando. E voltaram. Pelo voto dos eleitores da Bahia e do Pará.

Mesmo caso do deputado José Roberto Arruda, então senador, citado no escândalo da violação do painel do Senado. Voltou como o deputado mais votado do Distrito Federal e hoje é candidato a governador. Na CPI do Orçamento, a renúncia foi também recurso usado por seis deputados em vias de cassação. Alguns retornaram, outros não.

O eleitor às vezes tem razões que a própria razão desconhece. Mas se renúncia é pizza, é uma iguaria que só pode ser servida de verdade na eleição seguinte. E se o povo insiste em votar e levar novamente ao Congresso aquele político que se envolveu em escândalos amplamente noticiados e renunciou, o problema não é exatamente da legislação. Quem entra aí como auxiliar de pizzaiolo é a própria sociedade.