Título: Reviravolta no caso da Vila Alice
Autor: Ruben Berta
Fonte: O Globo, 14/10/2005, Rio, p. 13
Moradores da favela, em Laranjeiras, querem comprar terreno para permanecer no local
Ao lavar as mãos e sugerir como solução para a favela Vila Alice, em Laranjeiras, um acordo semelhante ao que moradores do Alto Leblon fizeram em 1993 ¿ quando pagaram indenizações para invasores deixarem o bairro ¿ o prefeito Cesar Maia deu sua contribuição para uma reviravolta inusitada. Em vez de o condomínio, que é de classe média baixa, pagar indenizações para desocupar a área invadida, os moradores da favela, que já tem mais de 90 casas, vão apresentar nos próximos dias, com assessoria jurídica da Fundação de Direitos Humanos Bento Rubião, uma proposta de compra do terreno, que fica numa área de preservação ambiental. Os recursos viriam de um financiamento de R$1,7 milhão obtido junto ao governo federal.
¿ Já conseguimos o apoio da Secretaria de Patrimônio da União (órgão subordinado ao Ministério do Planejamento) para um projeto habitacional que contemple os moradores da Vila Alice. Como cada uma das 85 famílias cadastradas teriam direito a um financiamento de R$20 mil, queremos agora propor a compra daquele terreno com parte desses recursos. Será um projeto-modelo ¿ afirmou o diretor-executivo da entidade, Ricardo Gouveia.
Para ele, o fato de a favela estar dentro da Área de Preservação Ambiental de São José, instituída pelo prefeito Cesar Maia, não seria impedimento para que os moradores da Vila Alice permanecessem no terreno. Segundo Gouveia, após a compra, a idéia é fazer uma ocupação ordenada do espaço:
¿ O projeto que estamos propondo inclui o reflorestamento de parte da área e o reordenamento do espaço. Tudo será feito dentro da legalidade.
A proposta é mais uma tentativa de equacionar o imbróglio da Vila Alice enquanto segue uma contagem regressiva que aflige tanto os moradores da favela quanto os proprietários do terreno. Esgota-se no dia 8 de novembro o prazo concedido pela Justiça para um acordo. Se isso não acontecer até lá, o juiz Heleno Ribeiro Pereira, da 6ª Vara Cível, pode pedir a remoção imediata dos invasores, com o apoio de órgãos como as polícias Civil e Militar e a Guarda Municipal. Na última tentativa de que a sentença de reintegração fosse cumprida, em setembro do ano passado, houve tumulto e a ação teve de ser cancelada.
Entre os donos do terreno invadido, a indignação divide espaço com a esperança de um acordo. A gerente-administrativa do Parque Residencial Laranjeiras, Maria Aparecida Silveira, disse que está aberta para receber propostas dos moradores da favela, mas descarta novo adiamento. O cumprimento da reintegração de posse foi adiado no mês passado na esperança de uma solução amigável.
¿ Estamos abertos a uma reunião com os moradores da favela para discutir uma proposta de solução, mas não é nossa intenção pedir à Justiça um novo adiamento ¿ afirmou Maria Aparecida.
Promotor diz que prefeito pode agir
O administrador do Clube Hebraica ¿ que divide a propriedade do terreno com o condomínio ¿, Jurandir Raiol, disse que é a favor da remoção da Vila Alice, que ocupa uma área de 4 mil metros quadrados da instituição, mas teme conflitos:
¿ Nós, é claro, queremos nosso terreno de volta. Mas já perdemos as rédeas da situação.
Perguntado sobre a possibilidade de a prefeitura ser convocada pela Justiça para auxiliar na remoção dos barracos caso não haja acordo, o prefeito Cesar Maia afirmou por e-mail que não tem poder para atuar no terreno da favela, por estar numa APA. O promotor Carlos Frederico Saturnino, da 1ª Promotoria de Tutela Coletiva e Proteção ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Cultural, rebateu a afirmação de Cesar Maia de que o município não teria o poder de fiscalizar:
¿ O prefeito está completamente equivocado. Ele não só tem o poder como tem o dever de fiscalizar.