Título: PUNIÇÃO PARA BOICOTE A GENÉRICOS
Autor: Martha Beck
Fonte: O Globo, 14/10/2005, Economia, p. 21

Cade multa 20 laboratórios, a maioria multinacionais, por formação de cartel

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade, ligado ao Ministério da Justiça) condenou ontem, por formação de cartel, 20 dos principais e mais conhecidos laboratórios farmacêuticos que atuam no mercado nacional, a maioria multinacionais. As empresas foram multadas sob a acusação de ter realizado, em julho de 1999, uma reunião para planejar um boicote aos medicamentos genéricos.

¿ Os laboratórios tinham como estratégia coagir os distribuidores que comercializassem os genéricos ¿ afirmou Luís Fernando Rigato, conselheiro do Cade, autarquia cuja função é garantir que o setor produtivo mantenha práticas de livre concorrência e preços justos.

A reunião da indústria farmacêutica ocorreu num momento em que os genéricos começavam a chegar ao mercado brasileiro. Como esses produtos são cópias idênticas dos remédios de marca, mas têm preços muito mais baixos, eles representavam uma perda potencial para o faturamento de muitos laboratórios. Segundo Rigato, nos Estados Unidos, por exemplo, a chegada dos genéricos resultou numa perda anual de US$12 bilhões para os fabricantes de medicamentos de marca.

¿ O adiamento do lançamento de um genérico poderia aumentar significativamente os lucros de uma empresa que fabrica produtos de referência ¿ explicou Rigato.

Processo arquivado por juiz que foi preso

Os conselheiros entenderam ainda que, apesar de o boicote aos genéricos não ter sido praticado pelos laboratórios devido à repercussão que o caso teve na época, houve motivo para a condenação das empresas.

¿ Não teríamos que ter os efeitos de um cartel para identificar uma infração ¿ disse a presidente do Cade, Elizabeth Farina.

A ata da reunião em que o boicote à distribuição de genéricos foi discutido acabou se tornando pública e resultou na abertura de processo administrativo da Secretaria de Direito Econômico (SDE) e na criação de uma comissão parlamentar de inquérito, a CPI dos Medicamentos, em 1999. Também foi instaurado um processo criminal contra as empresas, que acabou arquivado em 2002 pelo então juiz da 4ª Vara Criminal de São Paulo, João Carlos da Rocha Mattos, que posteriormente foi preso, acusado de vender sentenças.

Rigato admitiu que o prazo de seis anos para a conclusão do processo foi muito longo. Mas afirmou que até nos EUA alguns processos levam anos para ser julgados.

Segundo o relatório da SDE sobre o processo, as empresas envolvidas têm ¿elevado poder econômico dado o seu faturamento mundial¿. A secretaria destaca que a Glaxo Wellcome, por exemplo, teve faturamento mundial de US$162 bilhões em 1999. Rigato também disse que, em alguns tipos de medicamentos, a participação de mercado dos laboratórios no Brasil chegava a 65%.

Na votação de ontem, os conselheiros decidiram, por três votos a dois, que 19 empresas terão de pagar 1% de seu faturamento bruto no Brasil em 1998, ano anterior à instauração do processo administrativo. Para o Janssen-Cilag, no entanto, a multa será de 2%. O Cade entendeu que a punição para essa empresa deveria ser maior porque ela organizou a reunião, redigiu a ata e chegou a marcar outro encontro.

Os laboratórios terão 30 dias para cumprir a determinação do Cade a partir da publicação da decisão no Diário Oficial da União. Eles, no entanto, podem tentar adiar o pagamento das multas com a apresentação de embargos de declaração ao Cade ou recorrendo à Justiça comum. No entanto, até hoje, nenhuma decisão do Cade foi derrubada judicialmente.

As empresas Roche e Eli Lilly informaram que vão aguardar notificação oficial para se pronunciarem sobre o caso. A Abbott também não quis comentar a decisão do Cade. Já os laboratórios Janssen-Cilag, Schering Plough e Bayer foram procuradas, mas não se pronunciaram. A Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma) também não quis comentar a decisão.

Empresa: funcionário foi desautorizado

O diretor de Assuntos Corporativos da Bristol Meyer Squib, Antônio Carlos Sales, disse que vai aguardar a notificação para conhecer o teor da sentença e decidir que providências tomar. Ele afirma que o funcionário que participou da reunião condenada pelo Cade ¿ na qual teria sido caracterizada a formação de cartel ¿ não era do Departamento de Vendas nem tinha autorização para representar o laboratório. Segundo Sales, tão logo soube da reunião a Bristol registrou um documento em cartório desautorizando a participação desse funcionário no encontro.

O grupo Sanofi Aventis ¿ que surgiu da fusão entre a Aventis Pharm e a Sanofi-Synthelabo ¿ informou que aguardará a publicação do acórdão. O laboratório disse que se considera inocente e vai se defender pelos meios legais. A Aventis Behring, hoje incorporada à Behring, não foi encontrada. E a Merck Sharpe Dohme também preferiu não se pronunciar pois ainda não foi notificada oficialmente.

COLABOROU Luciana Rodrigues