Título: RESPONSABILIDADE DIVIDIDA
Autor: Eveline Zerio e Geralda Doca
Fonte: O Globo, 15/10/2005, Economia, p. 25

Ministro discorda de Lula e diz que controle da aftosa exige parceria entre governo e pecuária

Em meio à crise provocada pela descoberta de novo foco de febre aftosa, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, discordou ontem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na quinta-feira dissera que a responsabilidade pela vacinação do rebanho é dos pecuaristas. Rodrigues disse ontem que o controle da doença deve ser feito em parceria.

¿ É obrigação do produtor vacinar, mas também é uma obrigação do governo fiscalizar. No entanto, não temos pessoal para cobrir 100% da área brasileira ¿ disse Rodrigues, demonstrando novamente o descontentamento com o contingenciamento de verbas para seu ministério.

Em Piracicaba (SP), onde lançou o Plano Nacional de Agroenergia, o ministro negou ter pedido demissão do cargo. Rodrigues estima que os prejuízos à exportação com o embargo da carne devido à febre aftosa fiquem entre US$500 milhões e US$1 bilhão. A cifra equivale a mais de 30% da meta inicialmente prevista para este ano, de US$3,3 bilhões em vendas para o exterior.

O ministro também lamentou o cenário de crise na agricultura, setor que sustentou o crescimento do Produto Interno Bruto nos últimos dois anos e hoje enfrenta problemas de crédito e queda de preços internacionais:

¿ Estou frustrado com a crise monumental que não consigo resolver. Sinto ter entrado no ministério com o ciclo negativo da agricultura, que pode chegar ao fundo do poço. Lógico que não estou feliz, mas já fui infeliz outras vezes ¿ desabafou Rodrigues, que, no entanto, se disse otimista em relação à superação da crise.

Para tentar contornar as conseqüências da febre aftosa, o ministro se juntará na terça-feira à missão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que visitará a Rússia. Antes, na segunda-feira, outro grupo de técnicos do governo brasileiro irá a Bruxelas para se reunir com representantes da União Européia (UE). Rodrigues acredita que os casos registrados em Mato Grosso do Sul já estão controlados e que o governo está trabalhando para identificar a origem do problema.

Em nota divulgada ontem, o Movimento dos Sem Terra rechaçou a hipótese de que o foco de febre aftosa teria aparecido em um de seus assentamentos no Mato Grosso do Sul. Segundo o MST, o foco principal do vírus é a Fazenda Macuco, onde não há assentamento. ¿Acreditamos que os maiores responsáveis pela febre aftosa e demais mazelas que assolam o campo são as políticas econômicas e o modelo agroexportador adotado pelo governo¿ diz a nota.

Oposição quer convocar Palocci

As declarações do presidente Lula de que não faltaram recursos para o combate à aftosa continuam a repercutir negativamente entre membros do governo, políticos e produtores. A oposição quer convocar para esclarecimentos os ministros da Agricultura e da Fazenda (Antonio Palocci). Já o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Gabriel Maciel, voltou a criticar o corte no orçamento da pasta, especialmente a demora em liberar o dinheiro a ser aplicado em ações de vigilância sanitária.

¿ O problema não é a quantidade de dinheiro. É liberar os recursos na época adequada, geralmente, no início do ano ¿ afirmou.

De um orçamento total de R$169 milhões para 2005, foram liberados apenas R$37 milhões. O Mato Grosso do Sul, que tem direito a R$3,5 milhões para custeio e investimentos, não recebeu nada do governo federal. Para Maciel, mesmo que esse dinheiro seja destinado à região imediatamente, não há mais condições de gasto até o fim do ano.

Secretários estaduais de Agricultura que estiveram reunidos ontem em Brasília para rever as barreiras impostas ao Mato Grosso do Sul também criticaram o presidente:

¿ Foi uma declaração infeliz. Ele deveria ter ficado calado ¿ disse Roberto Balestra, de Goiás.

Segundo fontes do Ministério, Rodrigues anda muito chateado e tem reclamado com sua equipe sobre o desgaste no embate com a Fazenda. Mas, segundo amigos, ele não pretende pedir demissão, principalmente agora em plena crise no setor. Os secretários aproveitaram para defender a permanência do ministro, que, segundo eles, fez o que tinha de ser feito, dentro das limitações impostas pela área econômica.

¿ O que falta é sensibilidade suficiente por parte da equipe econômica ¿ disse o secretário do Rio Grande do Sul, Odacir Klein.

Interlocutores do presidente disseram que ele, da Europa, afirmou não ter desautorizado Rodrigues ao dizer que não faltaram recursos. Disse ainda a assessores que Rodrigues e Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) são os seus melhores ministros técnicos. Por isso, não passou pela sua cabeça dispensá-lo.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, já está em Moscou, onde ontem tratou da agenda do presidente. Rodrigues se juntará à comitiva de Lula.

O líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Eduardo Paes (RJ), afirmou que na próxima reunião da comissão de Agricultura, terça-feira, irá apresentar um requerimento para que Rodrigues e Palocci expliquem as medidas para resolver o problema da aftosa e os motivos da demora na liberação dos recursos:

¿ Não podemos permitir que produção brasileira fique vulnerável a conflitos internos do governo.

(*) Especial para o GLOBO COLABOROU Gerson Camarotti