Título: IRAQUE VOTA SUA CONSTITUIÇÃO À SOMBRA DO TERROR
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Fonte: O Globo, 15/10/2005, O Mundo, p. 33

Ataque de rebeldes provoca apagão em Bagdá horas antes de votação

BAGDÁ

Um ataque de rebeldes deixou 70% de Bagdá às escuras ontem à noite, poucas horas antes de as urnas serem abertas para o referendo que decidirá se o Iraque terá uma nova Constituição. Segundo o Ministério da Energia Elétrica, uma explosão destruiu uma torre de transmissão da principal linha de energia da capital iraquiana, aumentando a tensão para a votação de hoje.

Desde o início do dia o clima era de preocupação no Iraque. As ruas das principais cidades do país amanheceram vazias ontem. Apesar de as fronteiras do país com o exterior e as divisas entre as províncias terem sido fechadas, ontem ocorreram diversos ataques, muitos deles visando a defensores da Constituição.

Os alvos mais visados foram líderes e escritórios do Partido Islâmico Iraquiano (PII), o maior grupo político árabe sunita do país, que semana passada mudou de idéia e resolveu apoiar a Constituição, depois que foram feitas mudanças que garantiram a possibilidade de emendas à Carta dentro de seis meses. Grupos radicais e muitos eleitores sunitas consideraram a mudança uma traição.

Casa de líder regional atacada

A sede do PII em Faluja foi incendiada e a de Baiji, completamente destruída. Uma bomba foi lançada contra o escritório do partido em Bagdá. Em Ramadi, a família do líder regional do PII, Omar Karbouli, foi tirada à força de casa, que depois foi explodida pelos guerrilheiros. Seções eleitorais foram atacadas em Bagdá e Mossul.

Ainda assim, os defensores do ¿sim¿ no referendo estavam confiantes, pois o apoio do PII deve dividir o voto sunita, evitando a rejeição da Carta.

¿ Esperamos que sejamos capazes de parar os terroristas, impedi-los de matar nossa felicidade de amanhã ¿ disse o prefeito de Hilla, Imad Lafta.

Mais de cem mil soldados iraquianos estarão fazendo a segurança dos mais de seis mil postos de votação. Soldados americanos não participarão do patrulhamento de seções eleitorais, pois chegou-se à conclusão de que isso poderia parecer uma ingerência americana na eleição. Mas os militares dos EUA estarão a postos para intervir se houver combates de maiores proporções.

A Constituição será aprovada caso mais da metade dos votos válidos seja ¿sim¿. A exceção seria se pelo menos dois terços em três províncias votassem ¿não¿. Os árabes sunitas são maioria expressiva em quatro províncias. Por isso, muitos adversários da Constituição não pregam a abstenção, como na votação que elegeu o Parlamento interino, mas o voto ¿não¿.

Mas muitas vezes os mais entusiasmados defensores do ¿sim¿ e do ¿não¿ estavam a poucas centenas de metros uns dos outros, e não em províncias distantes. As tradicionais orações de sexta-feira nas mesquitas se transformaram em palanques eleitorais.

¿ Amanhã, temos um encontro com o amanhecer. Amanhã, abriremos as portas da liberdade ¿ disse o clérigo xiita Jalaladeen al-Sagheir, que integra o Parlamento interino que redigiu a proposta de Constituição.

Os fiéis o interromperam com gritos de ¿sim, sim à Constituição!¿

Do outro lado do Rio Tigre, uma multidão emocionada ouvia as palavras do imã sunita da mesquita Abu Hanifa pedindo a rejeição da Carta.

¿ Não li a Constituição porque é devotada ao sectarismo e à divisão do Iraque, seguindo instruções americanas e israelenses. Vou votar contra, vou votar ¿não¿ ¿ disse um dos fiéis, Othman Raheem, de 40 anos.

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