Título: As brasas dormidas
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 15/10/2005, O GLOBO, p. 2

A crise estava se dissipando, PT e governo vinham até recuperando a desenvoltura. As chamas, entretanto, podem subir novamente a partir de quarta-feira, sopradas pelo PT ao aprovar a convocação de Cláudio Mourão, o tesoureiro da campanha do senador tucano Eduardo Azeredo ao governo de Minas, em 1998. A vingança tucana está vindo a galope.

Erros dos outros não desculpam o PT, não justificam a ambição de poder de seus dirigentes, a montagem do valerioduto ou o suborno a aliados, para financiar campanhas ou garantir votos na Câmara. O que o PT busca ao tentar levar os tucanos para o olho das investigações é mostrar não apenas que eles inventaram o valerioduto mas que o PT ¿fez o que sistematicamente se faz¿. Apressou-se e pode levar chumbo grosso na CPI dos Bingos, onde a oposição nada de braçada e os tucanos, com a ajuda do PFL, ameaçam investigar o caso Gamecorp (a empresa do filho do presidente Lula que recebeu aporte de R$5 milhões da Telemar), convocar seu irmão Vavá e investigar o uso de caixa dois na campanha presidencial e nas campanhas estaduais de 2002. É a luta política, para a qual já se animam os petistas com a recuperação de Lula, e os tucanos com a pesquisa Ibope mostrando que Serra bateria Lula num segundo turno em 2006.

Mas para os que de fato desejam saber toda a verdade sobre o mundo escuro do financiamento de campanhas no Brasil e sobre a ação eleitoral de Marcos Valério, conhecer sua experiência inaugural pode ser importante. Pode ajudar inclusive os membros da CPI dos Correios a vencer o maior desafio, que é demonstrar a origem dos recursos do valerioduto.

Recapitulando: Cláudio Mourão foi secretário de administração no primeiro governo Azeredo. Foi ele quem indicou sua ex-funcionária Simonte Vasconcelos para trabalhar com Valério na SMP&B. Como coordenador da campanha, recebeu do então candidato uma procuração para tomar as providências necessárias, relativas inclusive ao financiamento da campanha. E uma delas foi a tomada de um empréstimo junto ao Banco Rural, por Marcos Valério, no valor de R$9,5 milhões. Deu em garantia seus contratos de publicidade com o governo de Minas. Do empréstimo, segundo Valério disse à CPI dos Correios, R$4,5 milhões foram usados para pagar Duda Mendonça, que fez a campanha. Outro R$1,8 milhão ele disse ter distribuído a 79 políticos mineiros da coligação liderada pelo PSDB. Mourão pode ajudar a esclarecer o destino ignorado de outros R$3,2 milhões.

Azeredo perdeu para Itamar e Mourão moveu contra ele uma ação no STF pedindo o reembolso de R$20 milhões. Dívidas de campanha que ele teria honrado e levado um calote. Azeredo declarou ter gasto apenas R$8,5 milhões. Esta ação foi retirada em julho passado, depois de revelado o caso. Nela, afirma também que verbas de patrocínio das estatais mineiras Copasa e Comig, no valor de R$3 milhões, aparentemente destinadas ao evento Enduro da Independência, divulgado pela SMP&B, foram usadas na campanha. A quebra do sigilo bancário de Valério mostrou que em 2002 ele avalizou novo empréstimo para Cláudio Mourão junto ao Rural. Os petistas suspeitam que foi destinado a campanhas tucanas. Mais do que uma resposta, têm uma pergunta: por que os empréstimos de 1998 seriam verdadeiros e os feitos para o PT, de fachada?

Sergio Guerra, senador tucano membro da CPI, diz que os petistas podem se arrepender amargamente. Já fora estabelecido que se o caso mineiro fosse reaberto, todas as campanhas petistas suspeitas de usar caixa dois também seriam investigadas.

¿ Se vierem com esta provocação, vamos sim investigar não só a campanha de Lula como várias campanhas estaduais do PT. Duda disse ter feito umas quatro e ter recebido por fora.

Um saída conciliadora pode fazer com que o depoimento de Mourão, na quarta-feira, seja fechado e não transmitido ao vivo. Ele falaria apenas para a subcomissão de contratos. Mas como o PT parece mesmo disposto a enfrentar novas brigas, pode vir por aí o segundo tempo da crise.