Título: `Uma suspeita não é prova¿
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 15/10/2005, O País, p. 14

Desde que assumiu o lugar de Tarso Genro na disputa pela presidência do PT, Ricardo Berzoini, eleito no domingo passado com 51,6% dos votos válidos, afirma ser favorável a punições brandas para os deputados petistas que fizeram caixa dois com o dinheiro sacado das contas de Marcos Valério. Em entrevista ao GLOBO, Berzoini admitiu mudar de opinião caso fique comprovado que o dinheiro distribuído pelo publicitário saiu dos cofres públicos. Para ele, é frustrante a ausência de provas de desvio de dinheiro público nas CPIs.

Os deputados que fizeram caixa dois não desviaram dinheiro público? Qual a diferença entre desviar dinheiro público para campanha ou para uso pessoal?

RICARDO BERZOINI: O problema é que até agora não temos qualquer prova de desvio de dinheiro público. Isso é frustrante. Primeiro a oposição disse que saía dos fundos de pensão. Os diretores dos fundos foram às CPIs, rebateram todas as acusações e abriram espontaneamente seus sigilos. Depois foi o ministro Luiz Gushiken, que deu um depoimento muito mais convincente do que seus acusadores. Então falaram de dinheiro no exterior, mas nada foi comprovado. Para mim seria fácil fugir desta questão, mas acho mais politizador esclarecer minha posição. O deputado Paulo Rocha (PT-PA) não pode ter a mesma punição que o Hildebrando Paschoal (ex-deputado do PFL-AC cassado sob acusação de, entre outras coisas, ordenar o assassinato de um adversário com uma motosserra).

Os contratos de Marcos Valério com Correios, Câmara e Banco do Brasil não são indício suficiente de que o dinheiro saía dos cofres públicos?

BERZOINI: Neste caso tem que se estabelecer um vínculo para saber se houve favorecimento a ele para fugir de licitações. Se houve, mudo minha resposta. Mas uma suspeita não pode ser considerada prova.

Qual o primeiro passo do PT rumo à reeleição de Lula em 2006?

BERZOINI: A primeira coisa deve ser um debate para fazermos o balanço do governo. Isso não pode ser feito de maneira apressada e superficial. Os ministros poderão participar. Boa parte deles é petista e os demais são pessoas da nossa convivência política que não se negarão a dar informações. O debate será com todos os ministros, inclusive Palocci (Fazenda), mas não há preferência pela área econômica.

A nova direção do PT deve fazer críticas à política econômica para agradar às correntes de esquerda?

BERZOINI: Já manifestei mais de uma vez, como ministro e deputado, que é possível manter o controle da inflação com uma mediação com o crescimento econômico e discordei da meta de inflação. Se surgirem situações como a deste ano, em que olhando elementos externos, como o preço do petróleo, e internos, como as tarifas de energia e telefonia, que puxam a inflação para cima artificialmente. Levar isso em conta não é contrariar a estabilidade econômica e o controle da inflação. É realismo.

Essas críticas pontuais serão incorporadas ao discurso do partido?

BERZOINI: Obviamente quando alguém confronta o conjunto da obra e destaca as críticas está jogando contra nosso próprio capital político. Temos que ser inteligentes nisso. (Ricardo Galhardo)