Título: PROJETOS E PROMESSAS QUE FICARAM NO PAPEL
Autor: Alessandro Soler e Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 15/10/2005, Rio, p. 22

Especialistas dizem que poucos investimentos em transportes de massa estimulam o crescimento de favelas

A auxiliar de serviços gerais Ilza da Silva, de 45 anos, acorda pouco depois das 3h, espreme-se numa kombi e enfrenta um ônibus apinhado e de regularidade incerta para chegar às 6h ao trabalho, na Fundação Oswaldo Cruz, em Manguinhos. Depois de quatro anos morando no conjunto Nova Sepetiba, na Zona Oeste, Ilza pensa em voltar para a favela vizinha ao trabalho. Quer se poupar das longas viagens entre a casa e o emprego:

¿ Nova Sepetiba é tranqüila, não tenho que correr de tiroteio. Mas a deficiência de condução está me fazendo pensar em voltar para uma área de alto risco. Todo dia pago quatro passagens (R$7,20), e no trabalho só me dão duas (R$3,60) ¿ diz Ilza, enquanto a filha Angélica de Souza explica que só não volta para a favela por causa do filho Clayson, de 6 anos.

Especialistas não têm dúvidas: os poucos investimentos em transportes de massa têm estimulado a favelização. Nos últimos 12 anos, a prefeitura anunciou projetos como bonde moderno (VLT), trem-bala (HSST), Transpan (trens ligando a Barra aos aeroportos), linhas de barcas municipais e veículos articulados dentro do programa Rio-Bus. Nada disso saiu do papel.

O estado mantém o ritmo lento de expansão do metrô. Depois da conclusão do trecho da Tijuca, em 1982, levou 16 anos até inaugurar outra estação, a Cardeal Arcoverde, em Copacabana. Outros cinco anos foram necessários para chegar a Siqueira Campos em 2003. A conclusão da Linha 1, com a construção do trecho Estácio-Carioca, não tem previsão. Assim, a Estácio tem que fazer o papel de estação de transferência para o qual não foi projetada.

Usuários reclamam de integração na Zona Oeste

Nos trens, a decadência é evidente: em 1984, eles levavam quase um milhão de passageiros por dia; em 1998, ano da privatização, pouco mais de 145 mil se aventuraram nos trens. Hoje, usam o trem 390 mil pessoas por dia.

Como paliativo para os poucos investimentos no que se considera de fato transporte de massa ¿ trem, metrô e barcas ¿ o município e o estado têm estimulado a integração do ônibus com o metrô e os trens. Usuários da Zona Sul e da Zona Norte se mostram satisfeitos. Os da Zona Oeste reclamam:

¿ Tenho a opção de pegar o metrô até Coelho Neto e seguir no ônibus 390b até Paciência. Só que esse ônibus leva muito tempo para aparecer. Demora um pouco menos se eu pegar o 390 (Sepetiba-Largo da Carioca) ¿ afirma Orlando Domingos Silvestre, funcionário da Aeronáutica, lembrando que a linha 390 só está operando em carros com ar-condicionado, cuja passagem custa R$3,60.

Apelidada de ¿trezentos e nojenta¿, a 390 é basicamente a única linha de ônibus para o Centro usada por moradores de Nova Sepetiba. Outra disponível, a 1.135 (Santa Cruz-Castelo) só passa de madrugada.

¿ A escassez de ônibus na Zona Oeste é de responsabilidade do poder público, que não fiscaliza e permite crescer o número de vans e kombis. Essa concorrência tirou o equilíbrio econômico das empresas ¿ diz Lélis Teixeira, presidente do Sindicato das Empresas de Ônibus do Rio (Rio Ônibus).

O secretário municipal de Transportes, Arolde de Oliveira, culpa a lei 3.798, aprovada no governo Luiz Paulo Conde, pelo engessamento da rede de ônibus. Para ele, com a renovação por dez anos ¿ prorrogáveis por mais dez ¿ das antigas concessões, não há como fazer um planejamento adequado:

¿ Estamos na Justiça pedindo a anulação dessa lei por inconstitucionalidade.

A grande maioria das viagens feitas dentro do Rio ou que têm a cidade como ponto de partida ou chegada (86,7%) é em ônibus, kombis e vans, que acabaram assumindo o papel de transporte de massa. Apenas 13,3% dos deslocamento são em metrô, trens e barcas.

Para o sociólogo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, (Ippur) da UFRJ, a favelização está diretamente ligada à questão da mobilidade. Ele enfatizou que o sistema de transportes desorganizado, desarticulado e com as tarifas altas, associado a um mercado de trabalho informal e com salários baixos, estimula a expansão das favelas:

¿ A tendência é que as favelas cresçam próximo a esse mercado de trabalho, essencialmente de serviços, na Zona Sul e na Barra; e em locais com acessibilidade, como em torno da Avenida Brasil.

O próprio secretário Arolde de Oliveira corrobora. Segundo ele, a relação entre mobilidade e favelização é evidente:

¿ Quanto mais baixa a mobilidade de uma pessoa, maior é a propensão para que procure viver perto do trabalho.

Coordenador do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, Paulo Cezar Ribeiro defende a implantação do projeto Rio Bus (reordenamento do sistema de ônibus, com a criação de corredores exclusivos e a implantação de veículos articulados) e a construção do trecho da Linha 1 do metrô entre Estácio-Carioca como formas de conter as favelas.

`Está na hora de arrumar o sistema¿, diz Mac Dowell

Segundo Fernando Mac Dowell, consultor de transporte há 30 anos, a favelização é conseqüência de falta de uma tarifa única de fato e de um sistema de transportes eficiente:

¿ O Rio não tem tarifa única, tem tarifa por ônibus. Se uma pessoa pega três, precisa pagar três passagens ¿ critica Mac Dowell ¿ Está na hora de arrumarmos isso de uma vez.

Para o professor José de Oliveira Guerra, da Uerj, a infra-estrutura de transportes não acompanha o aumento da cidade. Para ele, sem transporte de massa eficiente as favelas continuarão se expandindo.

¿ Enquanto pensarmos apenas em desafogar vias, estaremos nos afastando das soluções duradouras, que passam pelo transporte sobre trilhos, de alta capacidade e direcionado por estudos de demanda.

Professor da PUC, o engenheiro industrial José Eugenio Leal lamenta a falta de investimento na SuperVia e no metrô, o que estimula a favelização. Já Hostílio Xavier, da Escola Politécnica da UFRJ, classifica como ¿espirros¿ os projetos de transporte de massa nos últimos 15 anos:

¿ Não houve planejamento. As decisões não são em prol do bem-comum, mas políticas.

O avanço do metrô só não é maior, de acordo com o secretário estadual de Transportes, Augusto Ariston, porque o BNDES freqüentemente interrompe as linhas de financiamento:

¿ As empresas que fazem o trecho Siqueira Campos-Cantagalo não recebem desde janeiro. Não há como fazer planejamento de longo prazo assim.

Apesar da choradeira, medidas simples, como a mudança no sistema de sinalização da Linha 2, chave para a diminuição do intervalo entre as composições, tampouco são implementadas. Segundo Joubert Flores, diretor de Relações Institucionais da concessionária Metrô Rio, cabe ao estado trocar a sinalização e entregar pelo menos dois novos trens para a Linha 1 e oito carros para a Linha 2.