Título: 'É pueril a apregoada inocência'
Autor: Maria Lima e Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 19/10/2005, O País, p. 3

Relator pede cassação do mandato de Dirceu por abuso de prerrogativas e vantagens indevidas

Num voto de 50 páginas em que detalha as relações do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu com a cúpula do suposto esquema do mensalão, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), relator do processo por quebra de decoro parlamentar contra o petista no Conselho de Ética, pediu pena máxima: a cassação do mandato de deputado. Acompanhado de advogados, Dirceu permaneceu tranqüilo no início da sessão do Conselho, quando foi lida a parte inicial do relatório, e fez um discurso inflamado de defesa avisando que não aceitará ser cassado politicamente. Mas perdeu a calma e mostrou nervosismo ao longo da leitura do voto, o despacho final de Delgado.

Antes de acusar o relator de ter agido de má-fé e de ter construído uma versão para cassá-lo, Dirceu foi se aconselhar com o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), protagonista do escândalo de corrupção e desvio de recursos da extinta Sudam. Reunidos numa sala da Comissão de Ciência e Tecnologia, eles analisaram cada página do relatório de Delgado.

Integrantes do Conselho de Ética elogiaram o documento, que explorou contradições de todos os depoimentos de pessoas envolvidas no escândalo do mensalão. Mas a votação foi adiada graças a um pedido de vista feito pela fiel aliada de Dirceu, Ângela Guadagnin (PT-SP). Ela foi vaiada por algumas pessoas que assistiam à sessão no fundo do plenário. Na sexta-feira o relatório deve ser aprovado pela maioria do Conselho.

Ricardo Izar: ¿Foi um voto perfeito¿

Delgado detalhou a relação de Dirceu com o empresário Marcos Valério por meio de ligações telefônicas, encontros juntamente com o ex-tesoureiro Delúbio Soares e a triangulação com dirigentes dos bancos Rural e BMG. Mostrou o lucro grande dos bancos (233% no caso do BMG com os empréstimos em consignação), as liberações de recursos para os partidos em véspera de votações importantes, a compra de um imóvel da ex-mulher Ângela Saragoza pelo sócio de Valério Rogério Tolentino por R$115 mil, sua contratação pelo BMG e o empréstimo de R$42 mil do Rural a ela para comprar outro apartamento.

¿ Nada convencem os protestos escapistas de desconhecimento dos fatos e das ações subalternas, transferidos invariavelmente à responsabilidade de outros nomes, dada a relevância dos poderes de que se achava investido o titular da Casa Civil e o nível ou extensão das informações privilegiadas de que dispõe. Afigura-se inverossímil e pueril a apregoada inocência e o alheamento aos fatos ¿ afirmou o relator.

Após o encerramento da sessão, Dirceu se reuniu numa sala ao lado com seus advogados. Saiu atacando o relator e dizendo que seu parecer nada trouxe de novo.

¿ Ele construiu uma versão para me cassar. Foi um voto de má-fé. Ele omitiu parte de depoimentos e documentos. Não há prova de que eu participei de nada. Vou responder ponto por ponto na contraprova, na sexta-feira. O relator quer substituir o Ministério Público e a Polícia Federal. Já decretou que existe mensalão e quem é o seu chefe ¿ reagiu Dirceu.

Não é o que pensa o presidente do Conselho, Ricardo Izar(PTB-SP).

¿ É um relatório muito consistente, que traz detalhes muito importantes. Foi um voto perfeito, que agradou aos membros do Conselho. O relator foi muito mais feliz em seus argumentos do que o deputado Dirceu e seus advogados ¿ disse Izar.

Antes da leitura do relatório, o advogado de Dirceu, José Luiz de Oliveira Lima, fez a defesa técnica, mas atacando também o relator. Antes, tentara no Supremo Tribunal Federal impedir a leitura do voto, mas o pedido sequer foi analisado.