Título: Revolução em busca de rumo
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 15/10/2005, O Mundo, p. 38

Governo Chávez conseguiu resultados sociais, mas pobreza ainda é grande no país

¿AVenezuela agora é de todos¿. O lema da revolução bolivariana do presidente Hugo Chávez está em toda partes nas conversas, nas ruas, nos meios de comunicação e, sobretudo, no imaginário popular, alimentado pelo líder venezuelano com seus discursos intermináveis transmitidos ao vivo pelas estações de rádio e TV do país. Mas a realidade em muitos aspectos não se entende com a retórica oficial. A Venezuela de Chávez abriu aos setores populares portas antes fechadas. Os pobres têm acesso a programas de saúde e educação, com resultados importantes nos últimos dois anos. Um exemplo é a alfabetização de 1,5 milhão de pessoas.

Mas essa Venezuela ainda convive com um país profundamente desigual e pobre. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, 60,1% da população vivem abaixo da linha de pobreza. Quando Chávez foi eleito, em 1999, a taxa era de 50%. Agora o governo questiona a taxa de pobreza do órgão oficial, alegando que saúde e educação não são incluídas na medição.

¿ O governo sabe que nossos números não mostram uma redução da pobreza, parece que estão pensando em mudar a metodologia ¿ comentou uma funcionária do instituto.

Alta do petróleo cria oportunidade

Economistas considerados opositores pelo governo afirmam que nos primeiros três anos (1999-2001), o presidente conseguiu diminuir levemente a pobreza graças a taxas de crescimento de 3%. A partir de 2002 (ano da greve geral orquestrada pela oposição que parou o país dois meses), o panorama mudou drasticamente.

¿ Em 2002 e 2003 o PIB despencou quase 10%. No ano passado, a economia iniciou um processo de recuperação e este ano devemos crescer cerca de 5%. Mas a realidade é que entre 1999 e 2004, a pobreza aumentou em dez pontos percentuais ¿ explicou Luis Pedro España, diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da Universidade Católica Andrés Bello.

Segundo ele, ¿a Venezuela deverá fechar o ano com uma taxa de pobreza similar à de 99¿. O drama venezuelano, diz, explica-se pela incapacidade do governo Chávez de resolver os problemas básicos do país.

¿ A Venezuela perdeu a capacidade de diálogo, as condições políticas, econômicas, sociais e institucionais necessárias ao combate a pobreza. O governo acha que vai conseguir satisfazer todas as necessidades do país e esse é seu principal erro. Os investimentos privados são fundamentais.

A disparada do preço do petróleo ¿ este ano as exportações chegarão a US$35 bilhões ¿ representa uma oportunidade para Chávez. Há dois anos, ele começou a implementar abrangentes programas sociais, as chamadas missões bolivarianas, que levaram saúde, educação e alimentos a preços acessíveis aos pobres. Desde 2003, 15 mil médicos cubanos atendem comunidades carentes, e 700 mil estudantes foram incorporados ao sistema educacional. Nos mercados populares, o quilo de frango custa US$1, metade do preço das grandes redes.

¿ Os pobres se sentem menos pobres e mais cientes de quais são seus direitos. Mas também sentem que o sistema chavista os torna dependentes do Estado ¿ comentou Wilmar, coordenador de programas sociais no bairro de San Juan.

Para pesquisadores, paliativos ineficazes

No Centro Municipal de Atendimento Integral da comunidade, médicos cubanos participam de vários programas sociais.

¿ Por este consultório passaram mulheres que jamais haviam realizado um exame ginecológico ¿ contou a enfermeira Maria Soto.

As missões bolivarianas tornaram um pouco mais fácil a vida de muitos pobres, mas estão longe de resolver o problema da pobreza crônica do país. Segundo pesquisadores, as missões são paliativos implementados de forma ineficaz pelo Estado.

¿ O sucesso das missões tem muito mais a ver com o esforço das comunidades do que com a presença do Estado. Falta infra-estrutura. A maioria dos médicos cubanos, por exemplo, trabalha em casas de família porque o governo não construiu os consultórios ¿ comentou uma socióloga, que pediu para não ser identificada.

No país que hoje é o quinto produtor mundial de petróleo, cerca de 1,2 milhão de famílias vivem em casas precárias, sem acesso a serviços básicos. Este ano, dizem analistas, o governo construiu apenas dez mil casas. As críticas são muitas e recentemente Chávez trocou o ministro da Habitação. Os recursos existem, mas muitas vezes são usados ineficazmente.

O bairro de San Juan foi declarado há pouco zona livre de analfabetismo. Aprender a ler e escrever devolveu parte das ilusões perdidas aos moradores dessa humilde área. Hoje, com a sensação de que algumas coisas podem e devem mudar, exigem uma ação mais agressiva e consistente do governo. Exigem melhoras concretas. Resta saber se Chávez conseguirá atender as demandas de uma população que passou a ter plena consciência de seus direitos, em grande medida graças à revolução bolivariana.