Título: Planalto agora teme prolongamento da crise
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 19/10/2005, O País, p. 5
CRISE POLÍTICA: PRESIDENTE CHEGA DA EUROPA HOJE E DEVE PEDIR A ALIADOS QUE EVITEM O CONFRONTO COM A OPOSIÇÃO
Para governo, atuação de Dirceu nos bastidores para evitar renúncia de petistas fez ressurgir instabilidade política
BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje ao Brasil com o desafio de tentar evitar o recrudescimento da crise política. Na última etapa de sua viagem à Europa, ontem em Moscou, o presidente manifestou contrariedade com a elevação da temperatura política durante sua ausência de uma semana do país. Lula deve se reunir ainda hoje com os ministros do gabinete de crise para tomar pé da situação e dar nova orientação: evitar o confronto com a oposição.
Lula e petistas da Esplanada identificam no PT a origem do ressurgimento do cenário de instabilidade, no momento em que a crise parecia arrefecer. Primeiro, com a atuação do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu nos bastidores para evitar a renúncia dos deputados petistas. Segundo, a convocação do ex-tesoureiro do PSDB mineiro Cláudio Mourão para depor na CPI dos Correios, que teve a desaprovação do governo e deixou o Planalto em alerta com novos focos de tensão no Congresso.
Mercadante: ¿Trazer o PSDB para a CPI vai criar tensão¿
O enfrentamento com o PSDB foi alimentado, durante a ausência de Lula, até pelo presidente eleito do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), que fez ataques violentos a tucanos. Tudo o que Lula não quer neste momento é que seja retomado o clima de guerra contra o governo, que atingiu o seu auge em agosto. Lula também queria a renúncia do maior número de petistas suspeitos de envolvimento no mensalão, numa tentativa de evitar que os processos de cassação entrassem pelo calendário eleitoral, no ano que vem.
¿ O governo quer paz. Quem gosta de confusão é a oposição. Não interessa para ninguém o restabelecimento de um clima de guerra. Temos matérias importantes para votar e é preciso construir o consenso. A tentativa de trazer o PSDB para a CPI vai criar tensão, que gera uma dificuldade política. O mesmo deve acontecer com o prolongamento dos processos de cassação, apesar de optar ou não pela renúncia ser um direito de cada parlamentar ¿ disse o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).
O ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, que passou a tarde de ontem despachando com deputados na Câmara, prefere não expor a posição do governo:
¿ Tem interpretação para todos os gostos. Se muitos tivessem renunciado, diriam que foi operação do governo. Como poucos fizeram isso, foi derrota do governo.
Outro foco de atrito com a oposição foi a representação feita pelo PT contra o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS), no Conselho de Ética, por vazamento de informações. Ontem, Mercadante foi acionado para apagar o incêndio. Conversou com o senadores do PFL Jorge Bornhausen (SC), presidente do partido, e José Agripino Maia (RN), líder da bancada.
Com esses últimos acontecimentos, a oposição, desde a semana passada, ameaça reviver o clima de guerra depois de um período de armistício.
¿ Esse confronto vai ter repercussão no Congresso. Pelo jeito, Lula queria calmaria. Mas ganhou a tese de combate de Dirceu. Isso vai criar dificuldades para o governo ¿ advertiu o líder da minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA).
Para Planalto, Dirceu está por trás de várias ações
No Planalto a constatação é que Dirceu está se comportando dessa maneira há tempos. Ainda em agosto, Dirceu evitou a renúncia dos petistas com a proposta de um recurso ao Supremo Tribunal Federal.
Em seguida, o Planalto identificou a ação de Dirceu no gesto do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) de divulgar uma lista apócrifa envolvendo políticos tucanos de Minas Gerais como receptores de recursos do empresário Marcos Valério. Agora, Dirceu influenciou os petistas cassáveis a enfrentarem processos.
¿ O fato de os deputados não terem renunciado arrasta esse debate por muito mais tempo ¿ lamentou o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), evitando comentar a ação de Dirceu.