Título: UNESCO: 35% DOS ALUNOS JÁ VIRAM ARMA NA ESCOLA
Autor: Flávio Freire e Bartira Betini
Fonte: O Globo, 19/10/2005, O País, p. 14
Pesquisa com dez mil estudantes em cinco capitais indica que 205 mil jovens tiveram contato com armamento
SÃO PAULO. A morte do estudante Rafael Barboza, de 15 anos, baleado anteontem nas costas durante a aula de ciências, é um flagrante de uma realidade que assusta: pesquisa feita pela Unesco com dez mil alunos revela que 35% dos estudantes já viram alguma espécie de arma em salas de aula. Rafael, cujo corpo foi enterrado ontem, foi atingido acidentalmente por um colega que levara dois revólveres 38 para a escola para mostrar aos amigos.
A pesquisa da Unesco indica que 12% dos estudantes viram ou tiveram contato com revólver na escola. Foram ouvidos jovens de Porto Alegre, Belém, São Paulo, Salvador e Brasília. Os dados serão divulgados mês que vem pelo Observatório de Violência nas Escolas, núcleo ligado à Unesco e à Universidade de Brasília. Em números absolutos, segundo a pesquisa, significa que 205 mil alunos estiveram próximos de uma arma de fogo enquanto deveriam estar estudando.
A pesquisa surpreende pelo número de alunos que admitiram ter entrado com uma arma na escola: 1,2% ¿ o que significa que 20 mil estudantes circularam com armas, inclusive revólveres, no trajeto da casa para o colégio. Em todas as capitais, o revólver, depois do canivete, é a arma mais vista nas escolas.
Dono da arma foi indiciado por omissão de cautela
Ontem, em protesto contra a morte de Rafael, os alunos da escola estadual Marilena Piumbato Chaparro não assistiram às aulas nos três turnos. Grande parte dos estudantes acompanhou o enterro. A irmã de Rafael, a estudante Joice Barboza, de 17 anos, muito abalada, não conseguiu participar do velório. A mãe do garoto, Luzinete Barboza, de 38 anos, chorou durante todo o enterro.
¿ A cada momento fica mais difícil acreditar que perdi meu filho ¿ desabafou Luzinete, amparada por parentes e amigos.
O garoto que disparou o tiro que matou Rafael foi levado para a Vara da Infância e da Juventude. Por se tratar de menor de idade, o Tribunal de Justiça não informa a decisão do juizado, que poderia ainda ontem mandá-lo para casa ou para uma unidade da Febem.
O delegado Paulo Roberto Robles, do 46º Distrito Policial, que investiga o caso, confirmou que a arma que acertou Rafael era do padrasto de um amigo do menino:
¿ O revólver é legal e o proprietário foi enquadrado por omissão de cautela, ou seja, deixar arma ao alcance de menores de 18 anos. Ele pode ser condenado de um a dois anos de detenção, além de pagar multa.
O delegado não divulgou o nome do dono da arma. Robles explicou que a polícia está investigando a procedência do outro revólver encontrada na mochila do rapaz, já que a numeração estava raspada.
Para pesquisadora, existe ¿cultura da virilidade¿
Para a coordenadora do Observatório de Violência nas Escolas, Miriam Abramovay, o número crescente de adolescentes levando armas às escolas pode ser explicado pela "cultura da virilidade" que existe no Brasil.
¿ A arma virou símbolo de poder e geradora de medo. Um símbolo de exibicionismo e de intimidação que associado a uma sociedade marcada pela cultura da virilidade faz com que esses adolescentes tentem resolver seus conflitos mostrando que são poderosos ¿ diz a educadora. ¿ Os adolescentes preferem parecer poderosos a cultivar sentimentos de amizade, respeito e tolerância.
O presidente do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp), Carlos Ramiro, afirma que o número de ameaças a docentes tem aumentado. O estado tem 5.400 escolas, seis milhões de alunos e 236 mil professores. Com a violência na escolas, diz Ramiro, cresceu o número de professores com estresse e depressão:
¿ Hoje, 45% dos professores sofrem com o estresse provocado pela violência em sala de aula. E cerca de 25% sofrem de depressão.
Projeto tenta diminuir violência em sala de aula
Para tentar conter o problema, a Secretaria de Educação de São Paulo implantou em 2003 o projeto Escola da Família, no qual os pais de alunos são convidados a participar de atividades nos fins de semana com os filhos. O secretário-adjunto de Educação, Paulo Barbosa, disse que a integração da família com a escola ajudou na redução dos crimes cometidos dentro da escola. Em 2003, 21 alunos morreram. No ano passado, o número de mortes caiu para 12. Em 2005, até anteontem, foram registradas cinco mortes.
¿ Quando o pai ou a mãe de um aluno conhece o professor de seu filho, o diretor e os funcionários da escola, esse mesmo aluno cria uma responsabilidade maior e fica inibido de cometer uma agressão a esses profissionais ¿ diz.