Título: DEFENDA A VIDA
Autor: MARCUS PESTANA
Fonte: O Globo, 17/10/2005, Opinião, p. 7

Aviolência se apresenta sob diversas e diferentes formas (física, sexual, moral e psicológica), e, infelizmente, tem alcançado níveis absurdos. Para o seu enfrentamento, faz-se necessário o desenvolvimento de estratégias e ações solidárias integradas entre o setor público e a sociedade civil organizada.

A luta em defesa da vida pressupõe a diminuição de todo e qualquer ato de violência. Ao defender a vida é preciso estar consciente do valor que ela tem para si e para a sociedade. Uma ação exitosa neste sentido foi o Código de Trânsito Brasileiro, que a partir de sua vigência verificou-se um declínio nas taxas de morte por acidentes de trânsito e também uma diminuição na gravidade das lesões. Nesta lógica, o Estatuto do Desarmamento é mais uma ferramenta de enfrentamento da violência.

O impacto da violência na saúde da população brasileira pode ser medido pelos dados de mortalidade. Nos registros do Sistema Único de Saúde, deparamos com o crescimento da taxa da mortalidade por armas de fogo, principalmente na faixa mais produtiva da população, sendo que as maiores vítimas são jovens do sexo masculino e moradores de áreas carentes das periferias metropolitanas.

Segundo os dados do Ministério da Saúde, 270 mil brasileiros morreram por arma de fogo na década de 90, o que equivale a uma taxa média de 19,4 mortes por 100 mil habitantes. Nos anos de 2002, 2003 e 2004, a taxa de mortalidade foi, respectivamente, de 22; 22,4; 20,3 mortes por 100 mil habitantes. Nos países desenvolvidos da Europa e da Ásia, essa taxa se expressa inferior a 2 mortes por 100 mil habitantes. Foram registradas 37.978 mortes por armas de fogo em 2002; 39.325, em 2003; 36.091, em 2004. Para se ter uma idéia, morreram, em 2003, aproximadamente 9 pessoas a cada 2 horas por armas de fogo. Mas ao se limitar às mortes por armas de fogo, o problema não é inteiramente revelado. Faltam informações sobre feridos e sobre as vítimas que se internaram nos hospitais.

No Brasil, os custos econômicos anuais de mortes e invalidez resultantes de atos violentos ainda são incipientes.Trata-se de uma avaliação complexa, pois além dos custos de tratamento e reabilitação da vítima estão envolvidos gastos com o sistema judiciário e penal, custos sociais com a queda de produtividade, além de perdas materiais decorrentes dos agravos. Estudo de Weaver e Madaleno, publicado em 1999, aponta que na América Latina os custos de mortes e invalidez por atos violentos correspondem aproximadamente a 20% dos gastos totais de cada país com a saúde.

Porém uma nova perspectiva está despontando, ainda que timidamente, dentro deste cenário catastrófico. Pela primeira vez, depois de 12 anos, a mortalidade por armas de fogo mostrou, em 2004, queda de 8%. Deixaram de morrer, em 2004, 3.234 pessoas comparando à mortalidade por armas de fogo do ano anterior. O fato novo que despertou a consciência, para lutar contra essa guerra silenciosa, que mata mais pessoas por ano no Brasil do que em dois anos de guerra no Iraque, é a Campanha de Desarmamento iniciada em julho de 2004. A participação espontânea da população superou as expectativas do próprio governo. Já foram entregues mais de 430 mil armas de fogo em pouco mais de um ano de campanha.

Estados que apresentaram maior nível de recolhimento de armas, como São Paulo e Rio de Janeiro, também apresentaram uma diminuição de número de óbitos por armas de fogo de 2003 para 2004. Em São Paulo, foram 1.960 vidas poupadas e no Rio de Janeiro, 672. O prazo para que o cidadão regularize a situação da arma que mantém guardada em casa vai até o dia 23 de outubro, data em que nós, brasileiros, iremos decidir, pelo voto, se somos a favor ou não da comercialização de armas de fogo no nosso país.

Como gestores que trabalham para a melhoria do Sistema Único de Saúde e como cidadãos que acompanham o sofrimento de famílias destruídas por atos violentos decorrentes das armas de fogo, os secretários estaduais de Saúde entendem que estamos diante de uma oportunidade única para pouparmos vidas. Desarmar-se significa uma decisão e um compromisso da sociedade brasileira em defesa da vida.

MARCUS PESTANA é secretário de Saúde do Estado de Minas Gerais e presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).