Título: EFEITO COLATERAL
Autor: Daniel Engelbrecht e Luiz Ernesto Magalhães
Fonte: O Globo, 19/10/2005, Rio, p. 16

População do Parque Royal, na Ilha, dobra em dez anos, apesar do Favela-Bairro

Em 1994, quando começaram as obras do Favela-Bairro, o Parque Royal, na Ilha do Governador, tinha 4.146 moradores vivendo em barracos e palafitas. O investimento de R$4,9 milhões nas obras, que incluíram a implantação em 1997 de um Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso) para conter o crescimento desordenado da comunidade, não foram suficientes para impedir a expansão da favela. A população praticamente dobrou: segundo a associação de moradores do local ¿ com base em cadastro do programa médicos de família ¿, o número de moradores chega hoje a 8.200.

¿ As pessoas constroem por falta de outro lugar onde morar. Agora não somos nós quem temos que julgar o que está certo ou errado ¿ disse o presidente da Associação de Moradores, Genário Luiz dos Santos.

Ele reclama das condições de conservação das obras. Um dos problemas é a ciclovia que corta a área e afundou em alguns trechos.

Por falta de terrenos, o crescimento da favela já guarda algumas semelhanças com a Rocinha: ocorre na vertical. Pelo menos 15 prédios da comunidade já têm quatro ou mais pavimentos. Segundo Genário, quase todos os ¿puxadinhos¿ foram construídos após dezembro de 2000, quando um decreto do então prefeito Luiz Paulo Conde limitou a até três pavimentos o gabarito no local.

Cesar considera o crescimento natural

O relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) sobre o Favela-Bairro ¿ que O GLOBO divulgou na segunda-feira e será votado hoje em plenário ¿ apontou como uma das falhas do programa justamente a falta de instrumentos para controlar a expansão das comunidades. Esse trabalho ficou sob a responsabilidade da Secretaria municipal de Habitação até 2003, quando os Pousos foram transferidos para a Coordenadoria de Orientação e Regularização da Secretaria de Urbanismo. Em nota oficial, a Secretaria de Urbanismo alega que fiscais vistoriam as residências para evitar a expansão desordenada. Os acréscimos só serão demolidos se os moradores assim o desejarem. A prefeitura se limita apenas a não dar o habite-se e a suspender a entrega de títulos de propriedade para os donos de imóveis em situação irregular.

¿Quando a legislação foi estabelecida, já havia algumas construções com mais de três pavimentos. A fiscalização e a observação da legislação têm sido feitas. Parque Royal é uma das áreas priorizadas para regularização fundiária. As casas que estiverem em processo de fiscalização, isto é, que foram notificadas por irregularidades, cujas irregularidades permanecerem, não serão legalizadas e não receberão habite-se¿, diz a nota.

O prefeito Cesar Maia, por sua vez, considera o crescimento do Parque Royal natural.

¿A construção na vertical é natural em função do crescimento das famílias pela maior taxa de natalidade (que no asfalto). Antes do Favela-Bairro, as pessoas moravam em palafitas insalubres. Havia mortes por leptospirose todas as semanas. Hoje moram decentemente. E têm os problemas de uma comunidade urbanizada: buracos na rua, asfalto cedendo, luz apagada, capim crescendo¿, diz o prefeito em e-mail.

Moradores desistem e deixam a Ilha

Parque Royal, no entanto, é apenas um exemplo de que a Ilha do Governador, assim como a Tijuca e Laranjeiras, estão entre os bairros cada vez mais cercados por favelas. Em uma década (1991-2000), a população de 21 comunidades cresceu 18,4%. No asfalto, 3,6% ¿ cinco vezes menos. As conseqüências já podem ser observadas no asfalto. No Jardim Carioca, reduto de classe média, existem várias casas à venda há meses. Num trecho de menos de cem metros junto aos acessos à Favela do Guarabu, na Rua Inhoverá, há pelo menos cinco imóveis à espera de comprador. Nos muros há marcas de tiros formando as iniciais de uma facção criminosa e inscrições como ¿chove bala¿.

¿ As pessoas de maior poder aquisitivo se mudam ou preferem comprar apartamentos na Barra. Há dois anos, tento vender 72 apartamentos em dois prédios novos na Ilha, mas não acho comprador ¿ disse Rubem Vasconcellos, diretor da Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário (Ademi) e da corretora Patrimóvel.

O presidente da Federação das Associações de Moradores da Ilha (Famig), Gutemberg Mendes, admite o abandono do bairro pelos que têm mais poder aquisitivo:

¿ São mais de 20 favelas para dez bairros. É um problema social que se agrava porque o governo não investe em moradias para as pessoas.

O presidente da Associação Comercial da Ilha, José Richard, diz que o crescimento das favelas acabou com a tranqüilidade do bairro. Ele também reclama da falta de fiscalização pela prefeitura:

¿ Há 20 anos a Ilha era um local bucólico, sinônimo de qualidade de vida e um dos sonhos da classe média. Hoje, não se vê qualquer fiscalização. Os porcos criados na Favela da Praia da Rosa ocupam a Avenida dos Magistérios, no Moneró, todos os dias pela manhã. Os motoristas já evitam o local porque são dezenas de animais e filhotes passeando pela pista.