Título: DESPEDIDA FORÇADA
Autor: Fernanda Pontes
Fonte: O Globo, 18/10/2005, Rio, p. 16

Mais uma escola deixa a Gávea por causa da violência na Favela da Rocinha

Depois de o Colégio Bahiense anunciar no início deste mês o fechamento de sua unidade na Gávea por causa da violência na Favela da Rocinha, chegou a vez de a escola A Chave do Tamanho, em São Conrado, fazer o mesmo. O tradicional colégio funciona há 15 anos na Estrada da Gávea, mas os constantes tiroteios e ameaças de traficantes fizeram com que a diretora, Ana Elisabeth Santos de Oliveira Lima, decidisse transferir a unidade para o Recreio no ano que vem. O colégio, que trabalha com o método Jean Piaget, já teve 350 alunos, mas hoje restaram apenas 65. O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Município do Rio (Sinepe-Rio) teme que outras escolas da Zona Sul também sejam expulsas pela violência.

O anúncio oficial do encerramento das atividades do colégio, que trabalha com crianças e adolescentes de 6 a 17 anos, foi feito por meio de uma circular aos pais na semana passada. No documento, a direção copiou trechos de jornais mostrando a violência no bairro e escreveu sobre a ¿falta de perspectiva para enfrentar esta grave situação¿. Muito emocionada, Ana Elisabeth lamentou a insegurança no bairro:

¿ Recebemos telefonemas de traficantes exigindo o fechamento da escola quando há confrontos na Rocinha. Durante os tiroteios, os alunos não conseguem chegar. A reunião escolar de noite é um problema, ninguém quer vir. E os estudantes ainda são assaltados nos ônibus. Eu não posso deixar crianças e adolescentes em risco ¿ desabafou ela.

Considerada referência de ensino, A Chave do Tamanho foi fundada há 33 anos pelo pai de Ana Elisabeth, o professor Lauro de Oliveira Lima, de 86 anos. Segundo o vice-presidente do Sinepe-Rio, Edgar Flexa Ribeiro, o professor foi um dos grandes educadores brasileiros, introdutor do método Jean Piaget no Brasil.

¿ Ele publicou diversos livros sobre o tema e trabalhou com Darcy Ribeiro no Ministério da Educação. A escola, que antes funcionava na Gávea, é tradicional e de grande riqueza pedagógica ¿ disse Edgar Flexa Ribeiro.

Ao lembrar do pai e da história do colégio, a atual diretora não consegue esconder a tristeza:

¿ O estado deveria cuidar das escolas, mas nada faz. Meu pai e eu estamos tristes. O Rio, infelizmente, virou uma grande favela com uma cidade no meio.

Ameaças até de ataque com granada

A violência começou a assustar a direção em 2002, quando a instituição passou a receber ameaças por telefones. Nas ligações, bandidos diziam que jogariam uma granada no colégio caso ele abrisse as portas em determinados dias. Em outros telefonemas, pediam dinheiro e cartões telefônicos.

Num dos episódios, ocorrido em 2003, a diretora precisou levar seus alunos para dentro do Fashion Mall porque ficou com medo das ameaças. Até uma bala perdida chegou a atingir a escola nesse mesmo ano. Acuada, Ana Elisabeth pediu apoio ao 23ºBPM (Leblon):

¿ Nem sei dizer quantos telefonemas recebemos, lembro que eram a cobrar e as pessoas sabiam exatamente nossa rotina. Pedimos ajuda ao batalhão, que nos ofereceu uma ronda escolar. Mas o policiamento durou apenas um mês. Também prestamos inúmeras queixas na delegacia da Gávea.

A diretora queixou-se ainda da atuação da prefeitura. Ana contou que tentou por três anos aumentar o gabarito das instalações do colégio , que fica numa casa com piscina e quadra esportiva, para três pavimentos. Quando o município finalmente autorizou a mudança, não havia mais necessidade de fazer as obras.

¿ Perdemos tantos alunos que não valia mais a pena investir aqui. O que me impressiona é que enquanto tentávamos conseguir licenciamento para as obras, moradores da Rocinha construíram um edifício de 11 andares, sem intervenção da prefeitura.

Essa é quarta escola localizada nos arredores da Rocinha que está transferindo sua sede para outros bairros do Rio. Além do Bahiense ¿ que fechará as portas no início de 2006 por conta dos intensos tiroteios em favelas ¿, a Escola Americana deixará a Gávea e será instalada na Barra da Tijuca. Recentemente, o Colégio Carolina Patrício, em São Conrado, também informou que se mudará para a Barra.

O vice-presidente Sinepe-Rio teme que aconteça em Botafogo o que vem ocorrendo na Gávea e em São Conrado. Edgar Flexa Ribeiro afirma que a saída dessas escolas está associada à violência:

¿ Na Gávea e em São Conrado, esse processo é evidente. Colégios são forçados a migrar para outros bairros da cidade porque as favelas estão expandindo seus limites para áreas urbanizadas. Em Botafogo, outro dia, alunos corriam com mochila nas costas quando a Rua São Clemente foi fechada durante um tiroteio no Dona Marta. Temo que as escolas do bairro também sejam atingidas por essa violência.