Título: AS LEIS DA SELVA
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 20/10/2005, O País, p. 4

Regras e procedimentos formais que regulam processos de cassação por falta de decoro estão explicitados na Constituição e no regimento. Há, porém, preceitos não escritos e leis informais que comandam a vontade do plenário nessas horas. Num pacote de 14 processos, haverá sempre surpresas. Mas é possível identificar sinais da lógica interna que vai funcionar agora na Câmara.

É a partir dessa lei não escrita do plenário que cassáveis e cassadores vão orientar suas estratégias. Por exemplo:

1. A ordem dos fatores altera o produto. Em matemática, pode ser que não, mas em política sim. Entre os deputados, há convicção de que a ordem de julgamento dos processos no plenário pode influir no resultado. Em princípio, vale a regra de que os últimos serão os primeiros. Pressionada pela opinião pública, a Câmara, que até agora cassou apenas Roberto Jefferson, sabe que terá que cassar mais para dar uma satisfação. Por aí, portanto, a Casa deve ser implacável com os próximos réus no plenário. Com o tempo, pode ir se tornando mais flexível. Os processos que ficarem para o ano que vem, por exemplo, tenderiam a ser examinados com maior complacência. Há, porém, uma exceção à regra: o PFL quer que o deputado Roberto Brant (MG), contra quem pesa apenas uma doação de campanha não contabilizada, seja logo julgado. A vantagem seria obter os votos dos partidos de outros deputados da lista que devem ser cassados, sobretudo do PT e do PP. Os pefelistas temem que, depois da cassação dos outros, possa baixar um clima de vingança e retaliação.

2. Chá e simpatia funcionam até na selva. Normalmente, não há objetividade alguma nesses julgamentos secretos por parte do plenário. Num pacote assim, por exemplo, nem sempre são salvos aqueles contra quem existem menos provas, mas sim os que são mais queridos pelos colegas. E o contrário também vale. A condenação de José Dirceu, por exemplo, é dada como certa não exatamente por estarem seus colegas chocados com evidências de que teria sido mentor de um esquema de pagamento de aliados com recursos de caixa dois. Pode perder o mandato mais por conta dos desafetos e antipatias que terá angariado como ministro da Casa Civil. Ou seja, pelo conjunto da obra.

3. Olho por olho, dente por dente. Não existe almoço grátis, muito menos na selva. Quando há, num grupo assim, deputados de partidos diferentes no corredor da morte, ninguém salva ninguém por bondade. Já se fala num entendimento entre o PT e o PP para salvar pelo menos um de cada lado. O ex-líder Pedro Henry (PP), contra quem pesa apenas a palavra de Roberto Jefferson, pode ser salvo num gesto de boa vontade. Brant também. Em troca, o PT vai tentar salvar algum dos seus, como Professor Luizinho ou João Magno.

4. O Conselho de Ética comanda a caçada. O sentimento da maioria é de que, embora o plenário seja soberano, dificilmente deixará de aprovar a decisão que sair do Conselho de Ética, onde deverão se dar todas as lutas, acordos e desacordos dos 14 processos. Sobretudo em relação àqueles que o Conselho absolver, arquivando a acusação. Nesse caso, para o assunto ser levado ao plenário será necessário recurso assinado por 50 deputados. No outro lado da moeda, poderia haver algum caso em que o Conselho condene à perda de mandato e o plenário absolvesse. Mas é também improvável. A forma de livrar a cara de alguém, nesse caso, seria protelar o julgamento, levar o processo para o ano que vem e ir esquecendo o assunto até a campanha eleitoral, que deve paralisar as atividades do Congresso antes do meio do ano.

5. A Mesa anda armada mas não entra na caçada. É uma tradição: dificilmente a Mesa da Câmara interfere nesses processos de cassação em massa a reboque de grandes escândalos. Limita-se a cumprir suas obrigações. Ao encaminhar os 13 processos à Mesa, individualizando-os para resguardar o direito dos acusados, Aldo Rebelo mostrou que não vai ser diferente. Nessas horas, presidentes da Câmara comportam-se como magistrados. Ou melhor, como um caçador que assiste à caçada de binóculos, mas do alto de uma árvore.

6. É matar ou morrer. É a lei básica no salve-se quem puder das selvas, políticas ou não. A cassação de dez, oito, cinco ou apenas dois deputados vai depender do grau de pressão popular sobre a Casa e, sobretudo, da proximidade da campanha eleitoral. Quase sempre, cassa-se para não ser cassado ¿ pelos colegas ou pelas urnas.