Título: PARCERIA ESTRATÉGICA `NÃO-DECLARADA¿
Autor: ROBERTO ABDENUR
Fonte: O Globo, 20/10/2005, Opinião, p. 7

Ao aproximar-se a visita que o presidente George W. Bush fará ao Brasil (5 e 6 de novembro), considero oportuno assinalar à opinião pública brasileira alguns desenvolvimentos que fornecem uma idéia clara sobre a realidade das relações entre o Brasil e os EUA.

Ao contrário do que sustentam alguns analistas, as relações do Brasil com os EUA têm-se caracterizado por consistente dinamismo. Uma expressão muito recente desse diagnóstico é o fato de que, no espaço de uma semana (21 a 28 de setembro), estiveram em Washington, para contatos com seus homólogos norte-americanos, os chefes das pastas das Relações Exteriores, do Meio Ambiente, da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além do presidente do Banco Central, da secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social e do secretário-executivo do Ministério da Agricultura. Merece registro especial, em razão de seu alto significado político, o almoço de trabalho que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, teve com a secretária de Estado Condoleezza Rice, no Departamento de Estado (26 de setembro). O encontro foi marcado por uma amistosa e franca troca de impressões sobre as relações bilaterais, e sobre temas relevantes da atualidade regional e internacional. No mesmo período, foram realizados, em Washington, dois eventos de especial relevância para nossas relações bilaterais: a Conferência Econômica sobre o Brasil (26 de setembro), que contou com as participações dos ministros Luiz Fernando Furlan e Antonio Palocci, e do secretário do Tesouro norte-americano, John Snow, além de banqueiros e da comunidade financeira dos dois países, e a reunião do Conselho Empresarial Brasil-EUA (27 e 28 de setembro), com as participações dos ministros Celso Amorim e Luiz Fernando Furlan, do secretário de Comércio dos EUA, Carlos Gutierrez, e com a presença de expressivo número de empresários brasileiros e norte-americanos.

O Brasil e os EUA compartem a mesma vizinhança. Em muitas ocasiões, nossas diplomacias têm atuado de maneira harmoniosa e criativa, animadas pelo interesse comum de preservar a estabilidade e de fortalecer a democracia no continente. Ao contrário do que pensam alguns, não há oposição fundamental entre as prioridades das agendas internacionais do Brasil e dos EUA.

Outra percepção equivocada é a de que a diversificação de parcerias, levada a cabo pelo Brasil com grande êxito nos últimos anos, seja prejudicial ao relacionamento com os EUA. Tal movimento decorre da necessidade de abrir novos mercados para nossos produtos, pois, como é sabido, o Brasil entrou tardiamente na competição vigorosa pelos mercados internacionais. É muito positivo, portanto, o fato de que estejamos ampliando significativamente o nosso intercâmbio com nossos vizinhos da América do Sul, com o México e com novos parceiros na África, no Oriente Médio e na Ásia. Isto não deve ser visto como alternativa para nossas relações com os EUA e com outros importantes atores do mundo desenvolvido (União Européia, Japão), que continuam a ser essenciais para o Brasil. Nossos esforços no sentido do aprofundamento do Mercosul e da integração de toda a América do Sul, ao contrário de se fazerem em detrimento dos EUA, tendem a criar novas oportunidades na relação com nosso principal parceiro no mundo.

É bem verdade que, desde 2003, o crescimento de nossas exportações para os EUA tem ficado aquém do aumento global de nossas vendas. Enquanto as vendas globais do Brasil cresceram 21% em 2003 e 32% em 2004, as exportações para os EUA cresceram, respectivamente, cerca de 8% e 20%. É necessário, porém, considerar estes números no seu devido contexto. Em primeiro lugar, porque o maior dinamismo nas vendas para outros mercados reflete, em parte, a diversificação do nosso comércio exterior e um esforço sem precedentes de busca de novas parcerias. Em segundo lugar, porque os EUA são um mercado maduro, no qual taxas de crescimento como a de 20% em 2004 representam um resultado muito satisfatório. Esse aumento de 20% é ainda mais significativo quando se considera que mais de 70% de nossas vendas para os EUA são de produtos manufaturados, em que não é comum haver variações bruscas nos níveis de comércio. Os EUA continuam a ser, de longe, o mais importante parceiro comercial do Brasil, e também a mais importante fonte do estoque de investimentos diretos no país.

É preciso corrigir de vez a percepção de que nossas relações com os EUA não sejam boas porque por vezes ocorrem diferenças de opinião e enfoque com relação a questões regionais ou internacionais. Isto é algo natural e até saudável. Trata-se de uma indicação do grau de maturidade que atingiu o relacionamento Brasil-EUA. Nossos governos têm sabido salvaguardar a fluidez e a qualidade do diálogo bilateral, apesar da ocorrência de algumas divergências, como a que se produziu no atual debate sobre a reforma das Nações Unidas. O que sobreleva é a ampla margem de convergência entre nossos valores e nossos interesses fundamentais.

Como bem colocou o ministro Celso Amorim, em pronunciamento que proferiu durante sua recente visita a Washington, o Brasil e os EUA conformam uma parceria estratégica ¿não-declarada¿. Creio ter chegado o momento de melhor explicitar essa realidade por vezes mal percebida.

ROBERTO ABDENUR é embaixador do Brasil nos Estados Unidos.