Título: Sem testemunhas contra Saddam
Autor:
Fonte: O Globo, 20/10/2005, O Mundo, p. 30
Arrogante, ex-ditador desafia tribunal e julgamento acaba sendo adiado por falta de depoentes
BAGDÁ
Arrogante e agressivo como nos tempos da ditadura, Saddam Hussein desafiou ontem um juiz, empurrou um guarda e questionou a legitimidade do tribunal na primeira sessão do julgamento em que é acusado de crimes contra a Humanidade. O chamado Carniceiro de Bagdá mostrou que ainda é capaz de amedrontar iraquianos: depois de três horas de audiência, o juiz Rzigar Mohammed Amin adiou o julgamento até 28 de novembro, explicando:
¿ O principal motivo é que as testemunhas não apareceram. Estão assustadas demais para testemunhar publicamente.
A corte dispunha de um forte esquema de segurança e de cortinas para proteger a identidade das 30 a 40 testemunhas convocadas, algumas delas parentes de vítimas do ex-ditador.
Saddam e sete de seus ex-assessores foram ao tribunal para responder pelo assassinato de 148 xiitas em 1982 em reação a um atentado contra o então ditador. Todos se declararam inocentes diante de cinco juizes. Quando o juiz Amin, que presidia a sessão, perguntou a Saddam seu nome completo, o ex-ditador o desacatou:
¿ Quem é o senhor? O que o senhor está fazendo aqui? Não vou responder a esta suposta corte, com todo o respeito. Reservo-me ao direito constitucional, como presidente do Iraque.
O juiz reagiu:
¿ O senhor é Saddam Hussein al-Majid, ex-presidente do Iraque.
Saddam o interrompeu:
¿ Eu não disse ex-presidente.
Mais tarde, quando era retirado do tribunal, Saddam empurrou um guarda, pelo ombro, impedindo que ele segurasse seus braços. E deixou a corte sem que ninguém o tocasse.
Governo espera um processo rápido
Último dos réus a entrar no tribunal, o ex-ditador fez sinal aos dois guardas que o acompanhavam para que andassem devagar. Nas mãos, levava um exemplar do Alcorão. Os réus ficaram numa área cercada por barras de metal, Saddam na primeira fila.
¿ Esta é a primeira sessão do caso número um, o caso de Dujail ¿ disse o juiz Amin, referindo-se à cidade onde os 148 xiitas foram mortos.
Depois que advogados de defesa e acusação apresentaram seus argumentos, o juiz anunciou a suspensão do julgamento, sem aceitar os três meses de adiamento pedidos pela defesa. Em busca de reconhecimento, à medida que se aproximam as eleições parlamentares de dezembro, o governo iraquiano tem pressionado para que o julgamento seja breve.
Observadores internacionais estavam no tribunal, entre eles representantes de grupos de defesa dos direitos humanos, numa clara tentativa das autoridades de demonstrar que o julgamento será justo. Para muitos analistas, entretanto, trata-se de um teatro. O suntuoso tribunal custou US$138 milhões e foi instalado na antiga sede do Baath, partido de Saddam, na Zona Verde, área fortemente protegida, onde fica a sede do governo iraquiano. TVs do mundo inteiro transmitiram a sessão. Se for considerado culpado, Saddam poderá ser enforcado.
www.oglobo.com.br/mundo