Título: Armadilha fiscal
Autor: Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 08/11/2004, O país, p. 2

O equilíbrio fiscal vai passar por um duro teste de sobrevivência. O PSDB, que assumirá a prefeitura de São Paulo, anunciou que quer renegociar o pagamento de sua dívida com a União. Na posse do presidente Lula, os tucanos juraram defender os avanços do governo Fernando Henrique, mas agora podem contribuir para transformar em letra morta a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ironias à parte, tucanos e petistas terão que ter muito equilíbrio para tratar desta questão delicada para a credibilidade do país junto às agências de risco internacionais. Este será um tema que vai pôr tensão na relação entre o presidente Lula e o prefeito eleito de São Paulo, José Serra.

Os tucanos afirmam que será impossível reduzir a dívida de São Paulo (em relação a receita) como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal. O município, que tem uma arrecadação de pouco mais de R$ 14 bilhões/ano, teria que fazer um pagamento de quase R$ 7 bilhões em abril. É provável que os estados do Rio Grande do Sul, Alagoas, São Paulo e Minas Gerais cheguem lá na mesma situação. O economista Raul Velloso diz que é inevitável uma negociação em novos termos. E aponta duas alternativas: redefinir os limites da relação dívida e receita ou mudar o indexador. Mas alerta que esta negociação pode ser vista como frouxidão fiscal pelo mercado:

¿ A prefeita Marta Suplicy já alertava para o problema. Alguma coisa terá de ser feita. Não tem como cumprir a lei. O problema é que isso tem cheiro de renegociação de contrato.

Haverá um debate político sobre responsabilidades. Na campanha Marta chegou a questionar o ex-prefeito Paulo Maluf sobre o problema. O vice-líder do PSDB, Alberto Goldman (SP), exime a prefeita por não ter feito o pagamento de uma parcela de R$ 3 bilhões até novembro de 2002. Reconhece a herança de Celso Pita. Mas cobra de Marta o fato de não ter feito um ajuste prévio. O que Serra não poderá fazer em quatro meses de gestão.

A margem de manobra é pequena. A equipe econômica não quer nem ouvir falar de renegociar dívida ou mexer na lei. Seus integrantes dizem que o aperto fiscal tem sido o grande responsável pela retomada do crescimento da economia. Não querem abrir precedentes e temem pelas repercussões entre os investidores. O drama é complexo, pois eles também consideram que será muito negativo se a prefeitura, que tem o terceiro orçamento do país, der o calote.Frase do ministro Aldo Rebelo: ¿Se o eleitor tivesse votado para mudar a política econômica, não teria eleito o Serra, o Fogaça e o Richa. Ganhou o continuísmo do continuísmo¿.